Ministério da Saúde é cobrado pelo uso do termo violência obstétrica
Deputadas defenderam o uso do termo violência obstétrica pelo Ministério da Saúde e cobraram ações para combatê-la, em audiência pública na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados.
O termo foi proibido pelo Ministério da Saúde no dia 3 de maio, sob fortes críticas de organizações em defesa dos direitos das mulheres. No dia 10 de junho, o Ministério Público Federal de São Paulo encaminhou ao Ministério da Saúde uma recomendação para que o órgão reconhecesse a legitimidade do uso do termo. Diante da orientação, o ministério reconheceu o direito de as mulheres usarem a expressão “violência obstétrica”, mas manteve a decisão de não usar esse termo em suas normas e políticas públicas.
A deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS), uma das parlamentares que pediu a audiência, considera o ato do Ministério da Saúde “uma verdadeira censura institucional”. Ela cita pesquisa da Fundação Perseu Abramo, de 2010, que aponta que uma em cada quatro mulheres brasileiras é vítima de violência no momento do parto ou pré-natal e cobrou ações da pasta para combater o problema.
CPI da Mortalidade Materna
Para a coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Púbica de São Paulo, Paula Sant’Anna de Souza, é importante o uso do termo violência. “Quando a gente nomeia, tira mulheres do silenciamento e cria políticas públicas para isso”, disse. Ela lembrou que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou a alta taxa de mortalidade materna na Câmara, em 2016, chegou à conclusão que 98% das mortes maternas são evitáveis. “Não utilizar a palavra violência é dar continuidade à invisibilidade dessa violência que mata as mulheres”, completou.
A defensora observou que ainda não há lei federal definindo o que é violência obstétrica, mas há leis estaduais, como a de Minas Gerais (23.175/18). Essa lei inclui no conceito usar termos depreciativos, ignorar demandas da mulher, impedir a presença do acompanhante – contrariando lei federal (11.108/05), deixar de aplicar anestesia quando requerido e impedir o contato da criança com a mãe após o parto. Ela acrescentou que a Organização Mundial de Saúde (OMS) define violência obstétrica, em documento de 2014, como os abusos, maus tratos, negligência e desrespeito durante o parto, independentemente da intenção de causar dano. Para Paula, a prática comum de negar anestesia para mulheres negras, por exemplo, se enquadra nesse conceito.
Práticas polêmicas
Representante da Associação de Doulas do Rio de Janeiro, Janaína Gentili reiterou que as mulheres negras são as maiores vítimas de violência obstétrica. Conforme ela, nas maternidades brasileiras, as mulheres se sentem abandonadas, ouvem frases cruéis e têm sequelas psicofísicas de intervenções como ter barriga empurrada (manobra de Kristeller), uso desnecessário de epísio (corte na região do períneo) e uso de fórceps.
Já o ginecologista e obstetra Raphael Câmara Parente defendeu essas práticas, que, na visão dele, não configuram violência obstétrica e devem ser decididas pelo médico. Ele concorda com a retirada do termo violência obstétrica dos documentos do Ministério da Saúde e questionou os próprios dados apresentados sobre violência obstétrica: “A Fundação Perseu Abramo é do PT, ou seja, tem uma ideologia envolvida”, disse. Na visão dele, violência obstétrica é “falta de leitos, mulheres no chão, falta de obstetras”.
Políticas do ministério
Sem citar o termo violência obstétrica, Maximiliano Marques, representante do Ministério da Saúde, garantiu que as políticas de atenção à gestação, parto e nascimento do órgão estão em consonância com as diretrizes da Organização Mundial da Saúde de 2014 em relação ao abuso, desrespeito e maus tratos durante o parto. “Temos que chamar dessa forma, porque esta Casa não definiu o conceito”, disse. Segundo ele, o ministério cumpre o que está disposto em lei.
Entre as ações do órgão, Maximiliano citou o investimento em promover a qualificação dos ambientes de parto, por meio de “espaços saudáveis acolhedores”, de acordo com a política de humanização; e em ouvidoria para receber denúncias de maus tratos. Ele acrescentou que um dos desafios do órgão é a redução da taxa de mortalidade materna, que gira em torno de 64 óbitos a cada 100 mil nascimentos de bebês, e da taxa de cesarianas, que é de mais de 50% dos partos realizados no País.