Maconha medicinal coloca governo e famílias de pacientes em lados opostos

Às vésperas de uma possível regulamentação, o uso medicinal da cannabis ainda divide opiniões. O tema foi debatido ontem (9) em audiência da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados.

Até 19 de agosto, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vai manter o assunto em consulta pública, enquanto a Câmara poderá instalar, nos próximos dias, uma comissão especial para analisar nove propostas (PLs 399/15, 7187/14 e sete apensados) sobre medicamentos formulados com cannabis, conhecida popularmente como maconha.

Presidente da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal, Leandro Ramires, informou que, até maio, 6.530 pessoas conseguiram autorizações judiciais para a compra desses remédios. Segundo ele, a cannabis é eficaz no tratamento de epilepsia, autismo, Alzheimer, Parkinson, dor neuropática e câncer. No entanto, Ramires se queixou que a falta de regulamentação transforma os pacientes em “criminosos”.

“Muitos acham que a gente é criminoso. Eu sou desobediente civil enquanto as pessoas estão convulsionando e esperando que vocês definam algo”, disse aos deputados. “Não fazemos apologia à droga nem apoiamos nenhuma medida de uso irresponsável da cannabis. Faço um apelo a esta Casa para pararmos um pouquinho e pensarmos nos nossos pacientes graves e sofredores.”

Leandro Ramires é médico e pai de um menino com Síndrome de Gravés, marcada por convulsões, que, no caso dele, só foram controladas por meio de medicamentos à base de cannabis. O alto preço do produto, a dificuldade de encontrar médicos que o prescrevam e a “burocracia” da Anvisa são as principais barreiras apontadas pela associação dos pacientes.

Anvisa

O presidente da Anvisa, William Dib, explicou que a futura regulamentação vai tratar de plantio residencial, produção e monitoramento de cannabis, com foco no controle de qualidade para a saúde pública.

“Queremos discutir medicamento e segurança. Em nenhum momento, estamos discutindo a liberação de maconha, estamos sempre dispostos a construir o que for de bom para saúde da população”, declarou.

Perigos

Representante do Ministério da Cidadania, o secretário nacional de cuidados e prevenção às drogas, Quirino Cordeiro, criticou pontos da futura regulamentação da Anvisa que permitem o plantio de cannabis e facilitam a importação de medicamentos em casos que, segundo ele, ainda não haveria comprovação dos efeitos benéficos dessa substância.

Quirino disse admitir apenas o uso do canabidiol sintético, produzido a partir de outras substâncias químicas. Ele também alertou para o risco de a flexibilização das atuais regras levar ao aumento do consumo recreativo da droga, sobretudo entre os jovens.

“Esse movimento pró-flexibilização do uso de maconha pode levar, na população brasileira, a uma diminuição da percepção de risco dessa droga. O que deve acontecer agora é o governo federal investir na assistência farmacêutica apropriada às pessoas que precisam usar medicações que possam ter derivados de cannabis.”

CFM

O Conselho Federal de Medicina, que também tem restrições ao uso medicinal da cannabis, quer que a regulamentação use conceitos mais claros para que o uso medicinal não se confunda com a utilização recreativa da cannabis, explicou o pediatra João Paulo Lotufo, do CFM.

“A gente não usa heroína no pronto-socorro. A gente usa morfina, que vem da mesma planta. Acho que a gente vai chegar a ter o canabidiol no Brasil, mas não podemos ter 20% da população jovem usando maconha sem conhecer o risco que ela traz”, argumentou.

Comissão especial

Ex-ministro da Saúde, o deputado Alexandre Padilha (PT-SP) pediu a rápida instalação da comissão especial que vai analisar as propostas sobre o tema já apresentadas na Câmara. “Não devemos esperar a boa vontade do Supremo Tribunal Federal nem a consulta pública da Anvisa. Temos de avançar na regulamentação”, apontou.

Já o deputado Dr. Luiz Ovando (PSL-MS) cobrou mais estudos científicos quanto ao alcance terapêutico da cannabis, sobretudo em relação aos efeitos colaterais.

Médico e organizador do debate de hoje, o deputado Eduardo Costa (PTB-PA) também pediu foco científico na regulamentação do tema tanto pela Anvisa quanto pela Câmara. Ele defendeu o uso medicinal da cannabis inclusive no Sistema Único de Saúde (SUS) e lembrou que a Organização Mundial de Saúde já se manifestou favorável ao assunto. “Temos de quebrar alguns tabus e trabalhar de forma científica. Encontrar maneiras para que essa comercialização não se cartelize e os custos não continuem proibitivos para aqueles que precisam”, comentou.

Controle

Também presente à audiência pública, o diretor do departamento de sanidade vegetal e insumos agrícolas do Ministério da Agricultura, Carlos Goulart, informou que a pasta não tem objeção ao uso medicinal da cannabis.
No entanto, pediu que o atual processo de regulamentação deixe bem claro quais os órgãos que efetivamente vão controlar o plantio e a produção para fins de medicamento.

A Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis lembrou que, em 2017, a Anvisa liberou o uso do Mevatyl, fabricado no exterior a partir de extrato de cannabis e usado no tratamento da esclerose múltipla. O medicamento, porém, que custa em torno de R$ 2,8 mil, ficou com o estoque esgotado nas farmácias após decisões judiciais ampliarem o uso do produto.

*Com informações da Agência Câmara

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