Doenças raras e o impacto da adoção das terapias off-label

Por Ronaldo Maciel Dias

Uma das minhas pacientes perdeu os movimentos das pernas e dos braços aos 27 anos. O diagnóstico: distúrbio do espectro da neuromielite óptica (DENMO), uma doença rara e autoimune. Sua jornada de vida – muito ainda por ser escrita – depende, hoje, de uma terapia off-label. O termo compreende a utilização de medicamentos ainda não aprovados pelas agências reguladoras. Com isso, a evidência científica de alta qualidade é comprometida, afetando diretamente o paciente e sendo um grande desafio para nós, médicos, que nos comprometemos com o cuidado, usando as alternativas disponíveis.

O uso de medicamentos off label pode estar associado ao aumento do risco de eventos adversos preveníveis, bem como falhas terapêuticas e, no limite, pode acarretar também em riscos legais e éticos para nós, médicos. Embora não seja uma prática ilegal, o uso dessas terapias foge do que geralmente acontece com medicamentos on-label, recomendados ao considerar a plausibilidade biológica ou estudos e abordagem controladas que evidenciam seus benefícios para os pacientes.

As séries médicas de TV entretém o espectador, mas de longe refletem o nosso cotidiano em consultórios, clínicas, hospitais, postos de saúde e ambulâncias, onde somos desafiados diuturnamente no exercício da profissão, o que inclui o cerceamento dela. Não estou questionando as regras – elas são essenciais. Estou elevando a discussão sobre o descompasso entre evolução científica e políticas públicas de saúde de um país para avaliação, aprovação e adoção de novas tecnologias e terapias para beneficiar pessoas que necessitam de cuidados específicos não considerados e/ou incluídos em protocolos de tratamento.

No caso do DENMO, o uso de terapias off-label foi, por muito tempo, a única alternativa que nós médicos podíamos prescrever, visto que não havia um medicamento capaz de mudar o curso natural da doença. Hoje, o cenário é outro. Já temos aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) terapias eficazes, seguras e exclusivas para pacientes com a enfermidade.

Contudo, algo chama a atenção: ainda temos pacientes que dependem dos medicamentos off-label para o tratamento. Se analisarmos com cautela, essa dependência evidencia certa demora entre a aprovação de uma terapia inovadora e a sua disponibilização para a população. Isso, por vezes, ocorre devido às longas discussões centradas em questões econômicas relacionadas à nova terapia – principalmente sobre impactos nos cofres públicos – quando, na realidade, precisamos olhar para o contexto social da doença.

Atualmente, a incorporação de um tratamento específico para DENMO está sendo avaliada. A disponibilização deste medicamento poderia, por exemplo, mudar a realidade de uma mulher de 40 anos, mãe solteira, pilar da família, incapacitada pelo avanço da doença, e que não pode trabalhar. Por conta disso, hoje, ela solicita auxílio-doença ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para custear sua sobrevivência, além de utilizar recursos do SUS com medicamentos que não são específicos para o tratamento, horas de um cuidador e recorrentes internações. Esta situação poderia ser diferente e está longe de ser a única. Ela reflete um cenário onde os gastos com medicamentos e cuidados médicos poderiam ser reduzidos. O uso de uma terapia específica e segura para o tratamento poderia não só diminuir esses custos, mas também melhorar substancialmente a qualidade de vida desta mãe – que está em plena fase produtiva.

Além deste exemplo, temos dados de um estudo alemão, o CHANCE NMO, que avaliou os custos e qualidade de vida relacionada à saúde de mais de 212 pacientes. O levantamento comprova que gastos com cuidados informais e indiretos ultrapassam em média 40% o valor do custo com medicamentos adequados. Em outras palavras, o medicamento não é tão alto quando comparado ao custo de cuidar de uma pessoa afetada pela doença.

Diante desses desafios, é importante que os médicos estejam em constante atualização para garantir o cuidado adequado aos seus pacientes. Mas não só isso. É fundamental um olhar mais criterioso e, principalmente, humano, a fim de que terapias inovadoras e seguras cheguem a quem mais precisa de maneira célere. Atualmente, há medicamentos eficazes aprovados pela Anvisa que já poderiam estar acessíveis para a população. Ao contrário do que se preconiza uma negociação positiva, nesta ninguém ganha e a perda é compartilhada pela ciência, sociedade médica, indústria farmacêutica, governo e, principalmente, pelas pessoas, pois o tempo da justiça não é o tempo da vida.


*Ronaldo Maciel Dias é neurologista especializado em doenças desmielinizantes.

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