Violência obstétrica: como evitar a violação dos direitos reprodutivos?
Por Luciana Munhoz
O tema violência obstétrica voltou à tona com a divulgação do caso ocorrido no momento do parto da influenciadora digital Shantal Verdelho, que realizou o procedimento com médico renomado. Conforme vídeos, áudios e depoimentos de Shantal, as acusações contra o médico incluem manobra de Kristeller (procedimento não recomendado pelo Ministério da Saúde), pressão para uma episiotomia (incisão efetuada na região do períneo para ampliar o canal que deve ser utilizada em casos excepcionais), utilização de medicamentos para indução do parto, além do uso de palavras de baixo calão no decorrer do procedimento.
É válido compreender o que significa violência obstétrica. No Brasil, não temos leis, em âmbito federal, que determinam o que exatamente significa esse termo. Mas é possível compreender que qualquer ato danoso praticado contra a mulher em seu período pré, pós e durante a gestação poderá ser considerada violência obstétrica. Assim, o cuidado que a clínica e profissionais precisam ter é em todos esses momentos da gestação.
Isso porque tal tipo de atitude impacta severamente de forma negativa na vida da mulher, do bebê e sua família, assim como em toda a carreira do profissional médico e, inclusive, na clínica ou hospital em que ele atende.
Apesar das dificuldades inerentes a cada parto, as situações que envolvem a violência obstétrica podem e devem ser evitas. Algumas dicas práticas que listamos a seguir podem ser implementadas pelos profissionais e instituições de saúde que lidam com gestantes e procedimentos de parto.
A principal dica é simples e direta: o combinado não sai caro! Mas como efetivar esse combinado? O que precisa estar certo entre a parturiente e o profissional da saúde e, assim, evitar qualquer abuso relacionado à violência obstétrica?
1 – Escolha da via do parto
A palavra de ordem é autonomia! Cabe aos profissionais de saúde serem veículos de conhecimento para a mulher e lhe entregar as possibilidades de parto. O desconhecimento é um dos maiores riscos que existem em saúde, pois gera expectativas falsas e traz insegurança para a parturiente, seus acompanhantes e os próprios profissionais que realizam o parto. Assim, é preciso ficar muito bem explicado o que significa cada via de parto, seus riscos e, especialmente, a possibilidade de mudar a via de parto se houver alguma questão inesperada.
2 – Taxa de disponibilidade
Muito questionada, inclusive judicialmente, a compreensão atual é que a taxa de disponibilidade é legítima, afinal o profissional está à disposição da parturiente. No caso, essa taxa é um valor cobrado integralmente da gestante que deseje ser assistida pelo médico de sua confiança. Para isso, é essencial a assinatura de contrato entre as partes, pois é fundamental que a parturiente saiba da existência da taxa de disponibilidade desde o início do acompanhamento pré-natal. A assinatura de contratos e termos legais são primordiais para que se evite uma reação inesperada da parturiente ou qualquer dissabor.
3 – Acompanhantes no Parto
Cada instituição tem suas regras e suas possibilidades e cada grávida tem seus desejos no momento do parto. Desde levar somente o(a) cônjuge, a mãe, fotógrafos, cinegrafistas, doulas, dentre tantas outras possibilidades. É importante compreender o desejo da mulher e adequar à realidade dela, alertando sobre os prós e contras e se é possível realmente, dentro da determinada clínica ou hospital, o acesso aos acompanhantes desejados pela gestante.
4 – Plano de parto
O plano de parto é fundamental, principalmente, quando a expectativa inicial de parto não se desenvolve como o esperado. Por exemplo, a questionada episiotomia pode ser necessária, mas somente em momentos de exceção (segundo a OMS em menos de 10% dos casos). Por isso, a importância do obstetra apresentar todas as possibilidades para que parturiente decida o que deseja e o que não deseja em seu pré, pós e durante o parto. É neste plano que tudo deve ser especificado.
5 – Documentos médicos
Tudo explicado, tudo conversado, agora é preciso que tudo esteja descrito e documentado.
A. O contrato determina os serviços a serem prestados pelos profissionais. É no contrato que se explica quem irá participar do parto, onde será o parto, quais as obrigações dos profissionais, quais as obrigações da parturiente, os honorários do profissional, as possibilidades de desistência, rescisão contratual, dentre outros aspectos relacionados à prestação do serviço.
B. O termo de consentimento, ou plano de parto, é onde se descreve o procedimento em si. Aqui fica explicitada a via de parto, o que a parturiente deseja ou não no momento do parto e após o parto, além dos riscos, das possibilidades de insucesso, e das escolhas em momentos inesperados. Este documento precisa ser feito sob medida para os desejos e paras as questões que envolvem cada gestante.
C. É preciso uma atenção especial ao prontuário da paciente. Nele é preciso conter, além das questões médicas-técnicas, as conversas realizadas no consultório. Descreva todos os encontros e tudo que foi debatido em consultório. Esse é um documento que garante segurança a você profissional e à paciente, portanto, precisa refletir todas as consultas.
Dica extra: acrescente no termo de consentimento quem deverá tomar as decisões caso a paciente não consiga se expressar.
Portanto, observe que evitar a violência obstétrica parte do princípio de entregar à paciente as informações necessárias para que ela se sinta segura e confortável, possa decidir o que busca em seu parto, além de saber lidar com as possíveis intempéries desse momento mágico e delicado.
Vale destacar que todas essas informações práticas listadas não tiram a obrigação do profissional médico e da clínica de darem uma atenção especial, carinho e presteza nesse momento tão importante da vida de uma mulher e de sua família.
*Luciana Munhoz é advogada e mestre em Bioética (UnB), gestora em Saúde (Albert Einstein) e sócia do escritório Maia & Munhoz Consultoria e Advocacia em Biodireito e Saúde.