FGV: Políticas públicas melhoram a saúde infantil no Semiárido brasileiro

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que se um bebê nasce com menos de 2.500 g está enquadrado como “baixo peso” e apresenta fator de risco para inúmeras complicações no futuro. Apesar da subnutrição infantil ser um problema em âmbito mundial, ela afeta com mais severidade as populações que vivem em regiões vulnerabilizadas, a exemplo do Semiárido brasileiro, onde costumam ocorrer grandes períodos de seca. Na luta para promover a saúde neonatal, pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV) evidenciaram como algumas políticas públicas podem ser cruciais para a saúde de gestantes e recém-nascidos.

A pesquisa Climate adaptation policies and infant health: Evidence from a water policy in Brazil, da Escola de Economia de São Paulo (FGV EESP) constatou que as gestantes da região do Semiárido que são beneficiadas pelo Programa Cisternas possuem maiores chances de dar à luz crianças mais saudáveis. “A cada semana que as gestantes são expostas a esse Programa são somados mais 2 gramas de peso no bebê que está para nascer”, introduz o pesquisador que coordenou a pesquisa, Daniel da Mata. A pesquisa tem como autores Daniel da Mata (FGV), Lucas Emanuel da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Vitor Pereira da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e Breno Sampaio da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

À primeira vista, Da Mata afirma que esse aumento de peso pode não chamar atenção, mas levando em consideração o tempo total de uma gravidez, se a mulher tiver contato com o Programa desde o início da gestação, isso significa mais 80 gramas no peso do recém-nascido.

“Através de análises econométricas, comparando as gestantes que tiveram contato com o Programa Cisternas desde o início, com aquelas que foram expostas somente em poucas semanas, identificamos que, quanto maior for o acesso às cisternas, maior será o peso do recém-nascido”, disse o pesquisador.

Políticas públicas para melhorar condições de vida

Da Mata relembra que devido a vulnerabilidades climáticas o Semiárido brasileiro tem sido espaço para criação de diferentes políticas públicas que buscam gerar desenvolvimento e melhoria na qualidade de vida para a população que habita a região. Ele comenta que o interesse em estudar o Programa Cisternas, principalmente o recorte “Primeira Água”, que diz respeito à construção desses equipamentos nas residências de comunidades do Semiárido, está relacionado ao impacto que essa política pública pode ocasionar.

“A gestante que passa a contar com uma cisterna em casa não vai mais precisar caminhar longos trajetos em busca de água de poços e açudes. Diversos estudos na literatura acadêmica reforçam que o esforço físico extremo aumenta os riscos neonatais. Por isso, esse Programa, ao evitar que a mulher precise buscar água diariamente em locais distantes e sob altas temperaturas, acaba por promover a saúde do recém-nascido”, explicou o pesquisador.

Segundo Da Mata, o benefício ocasionado na saúde das gestantes é um fato curioso, visto que elas não fazem parte do grupo prioritário do Cisternas, que engloba crianças e idosos.

“Talvez nossa pesquisa possa servir de evidência para ampliar o público prioritário desse Programa, pois estamos falando de uma política pública relativamente barata, visto que o custo de produção e implementação dos equipamentos não são caros, mas que traz um benefício significativo para a saúde infantil”, pontuou.

O pesquisador também acredita que pesquisas como esta são úteis para identificar se uma determinada política pública é eficaz, como ela funciona e por que ela funciona. “Tendo em vista que o público-alvo de boa parte das políticas públicas, como o Programa Cisternas, são populações vulneráveis, é possível medir o quanto um gasto público está sendo efetivo para impactar na vida dessas pessoas. Sendo assim, as mesmas técnicas aplicadas a um programa podem ser aplicadas em outras políticas públicas existentes ou novas.”

Saúde e desenvolvimento social

Para encontrar os resultados desta pesquisa, os pesquisadores coletaram 5 mil dados georeferenciados acerca das gestantes que receberam as cisternas em um período de 2011 a 2017. “Esses registros administrativos sobre o programa informam exatamente onde essas cisternas foram construídas e para quem foram entregues”, detalhou Da Mata. Ele destaca que, no total, foram construídas cerca de 400 mil cisternas durante esse período, porém os pesquisadores precisaram filtrar os dados que seriam relevantes nesse estudo.

“Geralmente, esses equipamentos costumam ser recebidos pelo chefe do domicílio, que no Semiárido brasileiro costumam ser as mulheres. Entre as mulheres que receberam as cisternas, identificamos aquelas que estavam em algum momento entre as 40 semanas de gestação, a fim de cruzar as informações sobre o recebimento desses reservatórios, com os dados de saúde do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc).”

Da Mata ressalta que o Sinasc conta com informações muito precisas acerca dos recém-nascidos. Além disso, os dados do Programa Cisterna, provenientes do Ministério do Desenvolvimento Social, tornam possível averiguar se uma gestante recebeu uma cisterna e em qual período da gestação ela recebeu.

“A partir daí foi possível analisar o impacto de receber esse equipamento durante a gravidez e comparar a diferença entre as gestantes que receberam no início da gestação ou mais para o final. Se uma gestante recebe uma cisterna no início da gravidez, caso a região onde ela mora sofra com períodos de seca, ainda assim ela terá água garantida para os próximos meses, o que pode fazer total diferença na saúde dela e do bebê”, complementou.

Importância da escolaridade para o monitoramento da qualidade da água

De acordo com o pesquisador, não basta apenas garantir a entrega desses reservatórios, pois o Programa só vai ter efeito se ele for realizado em sua plenitude, somando a infraestrutura e a manutenção da qualidade da água da cisterna. “Além de construir as cisternas, é preciso reforçar a necessidade do tratamento contínuo da água, relembrando constantemente para essa população sobre a importância de tratá-la devidamente. Se a gestante tiver esse reservatório, mas não souber a forma adequada de usá-lo, corre o risco de ela estar trocando a água contaminada de um açude pela água contaminada de uma cisterna, o que prejudicaria o desenvolvimento fetal.”

Da Mata contextualiza que é justamente nesse ponto que entra outro fator fundamental para a saúde neonatal: a escolaridade. “Na análise de subgrupos das gestantes, averiguamos que, quanto maior a escolaridade dessas mulheres, mais chance existe de uma família aderir ao treinamento para tratamento da água, que é promovido pelo Programa. Estamos falando de escolaridade básica, medida por cerca de 4 anos de ensino formal. Contudo, esse mínimo de acesso à educação faz total diferença para efetividade dessa política pública, de acordo com os dados do próprio programa”, declarou o pesquisador.

Segundo Da Mata, esses resultados também demonstram a importância da complementaridade de diferentes políticas públicas. “Os dados que encontramos evidenciam também como programas de infraestrutura hídrica podem ser complementares a outras políticas públicas, como as de transferência de renda, ou aquelas voltadas para melhorar o acesso a escolaridade.”

Consistência dos dados

Ao realizar esse estudo e encontrar os respectivos resultados, Da Mata antecipa que pode surgir a seguinte dúvida: será que o aumento no peso do recém-nascido é realmente uma consequência do Programa Cisternas? Para dar uma maior validade aos resultados, foram realizadas várias análises econométricas.

“Esta foi uma preocupação que surgiu desde o início do projeto; por isso, realizamos uma série de análises para atestar a consistência desses dados. Analisamos diversas variáveis, simulamos a possibilidade de a gestante ser de outro município, contar com uma renda familiar maior, e, entre inúmeras possibilidades, todas indicavam que o benefício havia sido proveniente da exposição ao Programa”, defendeu o pesquisador.

A fim de ilustrar como funcionou uma dessas análises simuladas, Da Mata informa que metade das gestantes que fizeram parte da amostragem seriam mães pela primeira vez, enquanto a outra metade estava na segunda ou terceira gestação.

“Tendo em vista as mães que estavam na segunda gestação e não contavam com cisternas nas suas residências durante a gravidez do primeiro filho, nós analisamos o peso do filho mais velho, supondo que a mãe não havia sido exposta ao Programa durante esta gestação. Essa é uma análise do tipo “placebo” e, como era de se esperar, não há impacto da cisterna sobre a saúde neonatal dos filhos que não foram expostos ao Programa Cisternas. Além disso, várias outras análises econométricas contestam que o recebimento da cisterna era o único indicador para melhorar o peso das crianças afetivamente expostas ao Programa. O que reafirma a robustez dos nossos dados e reitera a relevância dessa política pública para promover a saúde neonatal”, finalizou.


Acesse o estudo na íntegra pelo neste link.

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