Regulamentação tornará Brasil mais competitivo no cenário de pesquisa mundial
O uso de placebos e a continuidade do tratamento de pacientes que já terminaram a participação em estudos clínicos estão entre os temas mais controversos de projeto que regulamenta a realização de pesquisas clínicas com seres humanos (PL 7082/17).
A proposta foi discutida em audiência pública da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados ontem (16). O texto cria um marco legal para orientar as pesquisas, com o objetivo de assegurar direitos e princípios éticos na relação entre pesquisador e paciente e, ao mesmo tempo, garantir agilidade na análise e no registro de medicamentos no País. O debate foi feito a pedido do relator do projeto na CCJ, deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ).
Jorge Alves de Almeida Venâncio, coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), órgão vinculado ao Ministério da Saúde que atua na regulação da ética de projetos de pesquisa envolvendo seres humanos, ressaltou que, desde 2016, a Conep conseguiu reduzir o tempo médio de análise dos protocolos de pesquisa de 10 meses para menos de 30 dias.
Venâncio considera positivo o aperfeiçoamento do sistema, mas manifestou preocupação com pontos do substitutivo aprovado na Comissão de Seguridade Social e Família.
Um deles diz respeito à previsão de que o patrocinador e o pesquisador deverão avaliar a necessidade da continuidade do fornecimento do medicamento experimental após o término da participação de cada indivíduo no ensaio clínico. A norma atual estabelece a obrigação de fornecer o medicamento de maior eficácia por tempo indeterminado e de forma gratuita aos participantes do estudo.
“Os laboratórios têm margem de lucratividade muito larga. A pessoa ajudou a testar o medicamento, deu contribuição não só ao patrocinador, mas ao conjunto da sociedade. O benefício que ela tem é receber o remédio depois que a pesquisa acaba”, justificou.
Outro ponto refere-se ao placebo. O texto aprovado na Comissão de Seguridade estabelece que, em caso de uso de placebo combinado com outro método de profilaxia, diagnóstico ou tratamento, o participante da pesquisa não pode ser privado de receber o melhor tratamento disponível, ou o preconizado em Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde, ou ainda em protocolos terapêuticos estabelecidos por médicos especialistas da área objeto de estudo.
Para Venâncio, a possibilidade de médicos especialistas estabelecerem os protocolos terapêuticos “deixa a porta aberta para não ser fornecido o melhor tratamento”.
Competitividade
Por outro lado, Paulo Fernandes, da Associação Brasileira das Organizações Representativas de Pesquisa Clínica, afirma que a proposta vai deixar o Brasil mais competitivo no cenário de pesquisa mundial. Segundo ele, levantamento da associação coloca o Brasil em 24º lugar na participação em estudos clínicos, atrás de países como Irã, Taiwan, Egito, Dinamarca, Bélgica e Polônia.
Sobre o fornecimento do medicamento após o fim do estudo, Fernandes defende que a proposta “está de acordo com o que há de mais atual nesse assunto”. Ele também refuta as críticas ao uso de placebos. “Não podemos pensar de maneira nenhuma que aqueles profissionais aplicariam um estudo clínico em doentes que eles tratam, que eles prestam assistência continuamente, que eles usariam placebo, na prática, negando o tratamento”, defendeu.
Romualdo Barroso de Sousa, da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, também defendeu o texto aprovado na Comissão de Seguridade Social. “A gente entende que o relatório aprovado contempla de maneira muito sóbria os nossos anseios para que o marco regulatório traga esperança para os nossos pacientes”, afirmou.
Ciências Humanas e Sociais
Diretor adjunto do Museu Nacional (UFRJ), Luiz Fernando Dias Duarte, demonstrou preocupação com o primeiro artigo do substitutivo, que estabelece diretrizes e regras para a condução de pesquisas com seres humanos. Segundo Duarte, é preciso especificar que essas pesquisas são clínicas. “Essa previsão pode trazer implicações graves para pesquisas de ciências humanas e sociais”, avaliou.
Vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Fernanda Antônia da Fonseca também cobrou que a CCJ aprove emenda de redação para reinserir o termo “clínicas” no texto. Em outro artigo, a proposta estabelece que os termos da futura lei se aplicarão às pesquisas com seres humanos em todas as áreas do conhecimento.
O gerente de Avaliação de Eficácia e Segurança da Anvisa, Claudiosvaldo Martinz, defendeu a importância da matéria. “É fundamental ter um marco legal que trate de pesquisa clínica, o nosso marco ainda é infralegal. Mas tem que atender preceitos internacionalmente harmonizados”, afirmou.
O projeto ainda depende de análise da CCJ e do Plenário. A comissão já aprovou, também, a realização de uma missão oficial dos membros do colegiado, com o objetivo de conhecer o funcionamento dos Centros de Pesquisa Clínica no Brasil.