Novo tratamento para hanseníase pode acelerar a eliminação da doença
Estudo que acaba de ser publicado na Revista Brasileira de Doenças Infecciosas apresenta um novo regime terapêutico para a hanseníase, doença que coloca o Brasil em primeiro lugar no mundo em taxa de detecção (percentual de casos novos a cada 100 mil habitantes) e segundo lugar em números absolutos, atrás da Índia. O combate à hanseníase enfrenta o problema de cepas resistentes ao tratamento atual, feito com um coquetel de antibióticos, a poliquimioterapia (PQT) que vem sendo utilizada no país há 40 anos.
A pesquisa conduzida em Ribeirão Preto-SP propõe substituir a PQT por uma composição de medicamentos mais eficazes. Estudos já publicados em revistas científicas brasileiras e estrangeiras vêm alertando para o percentual preocupante de falência de tratamento, ou pacientes que ainda apresentam bacilos vivos após a alta médica.
O estudo foi conduzido pelo hansenologista Marco Andrey Cipriani Frade, presidente da Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH), e pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP (FMRP). A pesquisa envolveu 66 pacientes acompanhados por oito anos, de 2015 a 2023, que apresentaram recuperação rápida dos danos neurológicos, evidenciada pela melhora dos sintomas e da sensibilidade nas mãos e nos pés já no terceiro mês, com melhora progressiva, mantida após o término do tratamento, incluindo redução de pacientes com incapacidade física.
O novo esquema terapêutico combina antibióticos amplamente utilizados — rifampicina, moxifloxacino, claritromicina e minociclina — em nova formulação. Diferentemente da PQT tradicional, a proposta dos pesquisadores visa não apenas a eliminar o bacilo causador da hanseníase, o Mycobacterium leprae, mas também promover uma recuperação mais rápida e eficaz da sensibilidade da pele e dos nervos, reduzindo as chances de incapacidades físicas.
Importância da recuperação da sensibilidade e eficácia do tratamento
Estudo conduzido em Ribeirão Preto por pesquisadores das Faculdades de Medicina e de Economia da USP analisou os custos associados à hanseníase no Brasil, incluindo os gastos do INSS com benefícios temporários e permanentes. O montante pago pelo INSS em benefícios previdenciários relacionados à hanseníase aumentou significativamente entre 2006 e 2015: os pagamentos totalizaram R$ 5 bilhões nesse período para uma doença tratável e curável.
Desafios para o Brasil
Apesar de o Brasil ser um dos países que mais diagnostica a hanseníase, a SBH vem alertando autoridades mundiais para o subdiagnóstico. Por ser um país endêmico para a doença, a preocupação dos especialistas recai sobre localidades sem ou com poucos diagnósticos.
A sociedade médica estima que haja de três a cinco vezes mais casos da doença no Brasil ainda sem diagnóstico. Além disso, os diagnósticos são tardios, quando o paciente já apresenta sequelas irreversíveis que poderiam ser evitadas.
Além da existência de cepas resistentes ao tratamento atual, o Brasil tem outros problemas para quebrar a cadeia de transmissão do bacilo da hanseníase como diagnósticos tardios, pois muitos pacientes são diagnosticados apenas quando já apresentam sequelas visíveis, como deformidades nas mãos e pés, indicando que a doença já causou danos significativos aos nervos periféricos; estigma associado à hanseníase, que ainda é uma barreira significativa, levando pacientes a evitarem buscar tratamento e contribuindo para a transmissão contínua da doença; capacitação profissional insuficiente nos cursos superiores da área da saúde, resultando em diagnósticos errôneos e tratamentos inadequados, além de desdiagnósticos por falta de conhecimento.
O novo regime terapêutico proposto pelos pesquisadores de Ribeirão Preto pode contribuir significativamente com o enfrentamento à doença por utilizar medicamentos já disponíveis no mercado, podendo ser incorporado ao SUS com relativa facilidade, ampliando o acesso ao tratamento.
O recente estudo representa um avanço promissor no tratamento da hanseníase no Brasil. Ao abordar diretamente os desafios atuais — como resistência antimicrobiana, diagnóstico tardio e estigmatização — e pode ser um passo crucial para a eliminação da hanseníase como problema de saúde pública no país.