Mortalidade materna: causas e caminhos para o enfrentamento
Segundo dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a taxa de mortalidade materna no Brasil retornou aos patamares pré-pandemia: após atingir a taxa de 117 mortes por 100 mil nascidos vivos em 2021, voltou a 57 —índice similar ao ano de 2019. Entretanto, ainda está longe da meta de redução de 30 óbitos maternos para cada 100 mil nascimentos até 2030. No mundo, esse panorama é ainda mais sério. A média mundial é de 223 mortes para cada 100 mil partos e a meta é reduzir para menos de 70 mortes maternas para cada 100 mil partos até 2030. Dessa forma, para alertar e conscientizar sobre a importância de diagnosticar precocemente os riscos que podem levar à morte materna, em 28 de maio foi instituído o Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna. De acordo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a morte materna pode ocorrer durante a gestação ou até 42 dias após o término da gravidez devido a qualquer causa relacionada ou agravada pela gravidez ou por medidas tomadas em relação a ela.
No Grupo Santa Joana, composto pelos hospitais e maternidades Santa Joana, Pro Matre Paulista e Santa Maria, esse número é bem mais baixo, sendo de 5 óbitos maternos para cada 100 mil nascimentos e, há anos, não registra morte materna por hemorragia, sepse e pré-eclâmpsia na paciente obstétrica, que ainda representam as principais causas de morte materna evitável no Brasil. Vale ressaltar que, recentemente, a lista das principais causas cresceu, com a entrada do cuidado com a saúde mental das mulheres no puerpério.
Com foco na segurança e na qualidade assistencial foi implantado há mais de 10 anos o Programa de Redução de Mortalidade Materna realizado no seu Centro de Simulação Realística. Ao longo dos anos, o Grupo Santa Joana construiu protocolos baseados nas melhores evidências para o atendimento das principais causas de mortalidade materna evitáveis. Esses protocolos de atendimento otimizam o cuidado às pacientes, organizando o trabalho da equipe multidisciplinar. Dessa maneira, os profissionais trabalham em sintonia, de maneira coordenada e seguindo a mesma conduta por meio de uma linguagem única. Nos casos de hemorragia, por exemplo, como o fluxo de sangue que passa pelo útero é bastante elevado, a agilidade no atendimento é crucial.
Os estudos recentes mostram que a mortalidade materna é apenas parte do problema. Algumas mulheres desenvolvem complicações agudas e graves durante a gravidez, parto e puerpério (morbidade materna aguda grave – MMAG) e que, embora não resultem em óbito, têm prejuízo do funcionamento de um dos seus órgãos, que pode ser de forma temporária ou de maneira definitiva. Em 2011, a OMS padronizou uma série de critérios para avaliar a qualidade de assistência hospitalar às mulheres com MMAG ao incluir cinco complicações (hemorragia pós-parto grave, pré-eclâmpsia grave, eclampsia, sepse/infecção sistêmica grave e rotura uterina) e três intervenções críticas (transfusão sanguínea, radiologia intervencionista e laparotomia), além de contemplar histerectomia e outras intervenções cirúrgicas abdominais, bem como a necessidade de internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). O número de mulheres com MMAG é muito maior do que o número de casos de mortalidade materna. Estima-se que para cada caso de morte materna têm-se de 20 a 30 casos de MMAG.
A mortalidade e morbidade materna são temas de grande relevância mundial por trazerem repercussões negativas para as famílias afetadas e para toda a sociedade e porque são um reflexo da qualidade de assistência oferecida às mulheres durante o ciclo gravídico puerperal. No Grupo Santa Joana há vários projetos em andamento para redução da morbidade materna, sendo que o acretismo placentário também merece destaque. O acretismo é a condição clínica na qual a placenta não se desloca espontaneamente da parede uterina ao nascimento e não pode ser removida sem que ocorra um sangramento anormal e potencialmente danoso à vida – uma das mais desafiadoras complicações obstétricas. A incidência de casos de acretismo placentário tem aumentado nos últimos anos, sendo uma das causas a elevação das taxas de cesariana, uma vez que a cicatriz resultante de uma cesárea anterior é um importante fator de risco para a placenta acreta.
O que contribui para garantir esses índices de mortalidade materna e com melhores desfechos clínicos para as pacientes com redução da morbidade é uma somatória de fatores como: contar com equipes multiprofissionais qualificadas e continuamente capacitadas em habilidades técnicas e não técnicas para atuarem com alto desempenho; ter infraestrutura hospitalar adequada com equipamentos e monitores que permitem a avaliação mais precisa dos impactos das diferentes doenças na saúde da mãe e do seu filho; oferecer estrutura de apoio como laboratório e banco de sangue; e protocolos de assistência que otimizam o atendimento de gestantes, principalmente daquelas que apresentam gestações de alto risco. O acompanhamento de perto e contínuo das gestantes de baixo e alto riscos é fundamental para a melhora dos resultados maternos e neonatais.
Além disso, para melhorar o diagnóstico, o tratamento e os desfechos, os médicos e os profissionais de saúde enquanto clínicos precisam compartilhar conhecimentos e trocar informações entre si e com as pacientes. Educação de pacientes e famílias é fundamental na busca de melhores resultados. Ainda, poucas pacientes sabem que o acretismo placentário é uma doença – até serem afetadas por ela. Além disso, há muito desconhecimento no meio médico sobre como diagnosticar e tratar essa condição, assim como agir nos casos de hemorragia. Por isso, é crucial unir esforços para promover pesquisas de alta qualidade com treinamento médico e, assim, cuidar melhor dessas pacientes. O Grupo Santa Joana é membro da IS-PAS – grupo internacional que estuda o acretismo placentário – e, além de sediar a última reunião em suas dependências, contribuiu com publicações de artigos científicos para uma edição especial do Acta Obstétrica et Gynecologica Scandinavica sobre espectro de acretismo placentário e que traz as recentes atualizações científicas.
*Mônica Maria Siaulys é diretora Médica do Grupo Santa Joana.