O que são algoritmos preditivos e a importância da IA para a gestão
Por Francisco Junior
A crescente interseção entre a Inteligência Artificial (IA) e a gestão de saúde está cada vez mais relevante em todo o mundo. Nas últimas décadas, significativos progressos têm sido feitos especificamente na área da IA em geral, em suas diversas modalidades e em suas variadas aplicações. Nas Ciências da Saúde, particularmente na Medicina, os temas machine learning (aprendizado de máquina), análise preditiva e correlatos têm ganhado relevância nos últimos anos, progressivamente ocupando espaço de discussão e desenvolvimento nas cadeiras acadêmicas, políticas e corporativas relacionadas à saúde.
Mas o que é predição em saúde e como ela pode ajudar a solucionar algumas importantes dores do setor? Predição é o processo de gerar informações ausentes. Ela usa os dados disponíveis para gerar as informações que não se tem. Na gestão de saúde, isso significa antecipar eventos como internações, readmissões, complicações, fraudes, faltas e adesão ao tratamento, por exemplo, o que permite a adoção de intervenções proativas. Para que a predição seja eficaz, é fundamental contar com dados em volume adequado e de qualidade adequada.
Há décadas os cientistas de dados, médicos e diversas outras categorias de pesquisadores têm se debruçado sobre o desafio de predizer desfechos futuros com os dados disponíveis hoje. Modelos preditivos mais tradicionais, como análises de regressão linear, têm sido a base para muitas conquistas em saúde, efetivamente tendo trazido ganhos reais em qualidade de vida, sobrevida e otimização de recursos. A novidade é a incorporação, ou melhor, a popularização de técnicas antes relegadas a outros campos do conhecimento, à área da saúde, sobretudo aquelas envolvendo novos algoritmos e técnicas de machine learning.
Em geral, temos visto um desempenho preditivo superior de muitos desses algoritmos, quando comparados a técnicas mais tradicionais. Não se trata, porém, apenas de “ranquear” acurácia preditiva. Ferramentas diferentes podem ter utilidades diferentes, e sua aplicabilidade a uma situação específica deve ser analisada com bastante parcimônia. Longe de desvalorizar as técnicas preditivas tradicionais, os algoritmos de IA conseguem analisar grandes volumes de dados e aprender os seus intrincados padrões, o que métodos tradicionais têm dificuldade de conseguir.
Via de regra, o grande trunfo dos algoritmos de machine learning — longe de constituírem uma “caixa preta” em que não se compreende sua mecânica — é que a máquina consegue “aprender” os padrões existentes nos dados e realizar correlações complexas entre variáveis, o que, em última análise, leva a uma maior acurácia preditiva. Padrões complexos em enormes volumes de dados são mais bem detectados por computadores do que por humanos — eis por que o emprego de “machine learning” para as análises preditivas.
Vale destacar também outras tecnologias que estão proporcionando avanços significativos, impulsionando resultados positivos e melhorando a qualidade dos cuidados de saúde. Mais recentemente, uma modalidade em particular tem atraído os holofotes da mídia e da sociedade em geral: a IA generativa, como aquela utilizada no ChatGPT. Ainda estamos lidando com predição, mas neste caso, os modelos são focados na “compreensão” da linguagem natural inserida como input, e as respostas são fornecidas também em linguagem natural. Os algoritmos precisam ser treinados em enormes volumes de dados, para que possam predizer o significado das palavras ou sons justapostos em sequência – nossa linguagem natural – e produzir uma resposta igualmente coerente sob o prisma da linguagem humana.
Munida de capacidade generativa ou não, fato é que a IA aplicada à saúde abre um novo leque de possibilidades antes inimagináveis. Especificamente quando aplicada à gestão de saúde, seja corporativa (mais comumente associada à Saúde Suplementar), seja pública (mais comumente associada ao SUS – Sistema Único de Saúde), os algoritmos preditivos têm o potencial de dar mais eficiência aos processos e contribuir para a sustentabilidade do ecossistema. A partir de dados diversos (tabulares, imagens médicas, traçados de exames, textos de prontuários, etc.), e utilizando-se de técnicas diversas de modelagem preditiva, os algoritmos poderão inclusive mudar a forma como nossos sistemas de saúde se estruturam e são financiados. Os benefícios para o setor de saúde são diversos e vão desde otimizar o agendamento de consultas, prever fraudes ou probabilidade de reinternação de um paciente, alocar recursos de forma mais eficiente e até mesmo prever as necessidades de estoque de medicamentos com base em padrões de uso históricos.
IA também está sendo usada para oferecer suporte 24 horas por dia aos pacientes, respondendo a perguntas comuns e direcionando-os para os cuidados adequados. Além disso, existe grande potencial para que os algoritmos possam ajudar a diagnosticar doenças com precisão, sugerir tratamentos personalizados com base em históricos médicos e até mesmo prever surtos de doenças. A implementação dessas tecnologias pode não apenas aprimorar a qualidade dos cuidados de saúde, mas também contribuir para a redução de custos evitáveis (fraudes, erros, abusos, desperdícios) e para a otimização dos recursos. A detecção precoce de doenças, por exemplo, pode evitar tratamentos mais caros e prolongados, enquanto a automação de processos administrativos por meio da IA pode liberar tempo para os profissionais de saúde se concentrarem no atendimento ao paciente.
De fato, é compreensível que a adoção de tecnologias com potencial tão disruptivo como as relacionadas à IA leve um tempo para ocorrer, particularmente nas áreas em interface direta com a saúde e o bem-estar das pessoas. Adotá-las requer, primariamente, conhecimento de seu potencial e de suas limitações, para que os profissionais de saúde e de gestão possam saber onde e quando aplicá-las – de modo ético e responsável. Afinal, muitas nuances envolvem a modelagem de algoritmos preditivos aplicados à saúde, a começar pela qualidade dos dados de origem, passando pela técnica dos profissionais de ciência de dados, pela calibração dos modelos e culminando em sua validação prática nas populações-alvo.
Analisar e reduzir vieses e “preconceitos” diversos no processo de modelagem preditiva deve fazer parte indissociável de sua construção, além de constituir preocupação constante de todos os envolvidos. Atualmente, aqueles algoritmos usados como apoio à decisão clínica não substituem o profissional de saúde envolvido no cuidado direto ao paciente, embora os avanços nessa área, particularmente envolvendo IA generativa, sejam bem promissores. Se usados com a devida cautela e responsabilidade, têm o potencial de efetivamente melhorar a produtividade e conferir maior segurança e acurácia no diagnóstico, tratamento e acompanhamento de pacientes.
Como médico e cientista de dados, espero de forma otimista pelo tempo em que a saúde das pessoas possa se beneficiar em larga escala dos avanços que a IA pode fornecer, contribuindo para que os sistemas de saúde sejam sustentáveis e acessíveis às gerações futuras.
*Francisco Junior é Médico, Desenvolvedor, Empreendedor e Diretor de Tecnologia (CTO) da Lean Saúde.