Estudo investiga obstáculos na implementação da humanização do parto no Brasil
Um estudo investigou os obstáculos enfrentados por obstetras que atuam em defesa da humanização da assistência ao parto em maternidades brasileiras. As últimas décadas têm sido marcadas por avanços na assistência obstétrica sem, no entanto, superar as elevadas taxas de intervenções desnecessárias no parto, de cesarianas e de mortalidade materna, apesar de um contingente de obstetras alinhados à humanização do parto no País. Quem explica mais sobre o assunto é a autora do estudo, Luisa Jacques de Brito Veiga, do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP.
A pesquisa se apoia em dados nacionais, como o estudo Nascer no Brasil, de 2012, e a Rede Cegonha, criada em 2017. Os dados mostram pequenas melhorias na qualidade do atendimento, apesar de ainda estar aquém do adequado. Luisa destaca uma queda em intervenções que são consideradas inadequadas e exemplifica algumas das mais comuns: “A realização de episiotomia, aquela incisão perineal, a manobra de Kristeller, que é uma manobra proscrita atualmente, o passo impositor ginecológico, uso de ocitocina de forma universal”. Ela destaca que houve também uma melhora, embora discreta, na oferta de métodos de alívio de dor e na assistência ao parto por enfermeiras.
Em contrapartida, quando o tema são as cesarianas, o cenário é de piora. “A gente tem, nas últimas décadas, um crescente em relação às nossas taxas de cesariana. Em 2003, a taxa de cesariana estava próxima de 40% e, em 2023, que são os últimos dados que a gente tem do DataSUS, está quase em 60% de cesarianas.”
As barreiras investigadas mostram que grande parte delas vêm da própria estrutura hospitalar. “Muitos dos estudos que foram feitos em relação à investigação de barreiras, de maneira justa, atribuíram à própria categoria médica parte da barreira. Há muita resistência. É uma categoria historicamente mais refratária a essas mudanças de modelo. Há muitas barreiras, mais ou menos explícitas colocadas na cultura institucional das maternidades, que dificultam muito a implementação de práticas alinhadas às evidências científicas e à garantia de direitos.”
Principais barreiras
A amostra do estudo foi formada majoritariamente por profissionais femininas, brancas, jovens e atuantes em grandes centros urbanos, especialmente no Sudeste. A maioria havia iniciado a prática obstétrica há menos de dez anos. Luisa exemplifica as principais barreiras apontadas na pesquisa: mais de 90% relataram comentários depreciativos informais na sua trajetória; quase 70% relataram a perda de autonomia durante a assistência, por imposição de uma conduta mais intervencionista. Outras barreiras investigadas foram o sentimento de isolamento durante a prática, reclamações formalizadas e até o desligamento de vínculo de trabalho, descredenciamento da instituição e denúncias.
O impacto na saúde mental dos profissionais também se mostrou expressivo. “A gente fez uma investigação em relação ao desenvolvimento de síndrome de burnout, transtorno depressivo, transtorno de ansiedade. Mais de 70% dos profissionais relataram ter passado por isso e quase metade deles com necessidade de uso de medicação.” A pesquisadora aponta, também, que quase 1/4 desses profissionais relataram ter iniciado uma prática mais defensiva e intervencionista a partir desse cenário.
Segundo Luisa, o estudo mostra que a questão central está na cultura organizacional das instituições de saúde. “A grande contribuição do meu trabalho é entender mais a fundo essa questão da cultura organizacional, que é uma cultura ainda muito cesarista, a despeito de todas as evidências que a gente vem acumulando ao longo das últimas décadas.” Ela relata situações de hostilidade e intimidação contra profissionais que adotam práticas alinhadas às diretrizes do Ministério da Saúde. “Por exemplo, de pessoas que relataram o estranhamento de quando uma mulher chega parindo.”
Casos de perseguição também foram documentados. “Pessoas que tiveram que se deslocar a horas de distância da cidade original porque as portas foram se fechando, porque essa pessoa praticava ali uma assistência alinhada com as diretrizes do Ministério da Saúde, ou pessoas que foram desligadas da instituição por um mau desfecho.” Por fim, Luisa critica a tendência a relacionar maus desfechos no parto normal à escolha de ter um parto normal, o que não ocorre em situações de cesariana. (Com informações do Jornal da USP)