A urgente necessidade de uma linha de cuidado para lipodistrofia
A existência de uma linha de cuidado pensada especialmente para pessoas com lipodistrofia é absolutamente essencial, já que se trata de uma doença multissistêmica, ou seja, que afeta múltiplos órgãos e sistemas do organismo. Nesse sentido, pacientes diagnosticados com a condição necessitam de cuidado particular e especializado. As lipodistrofias são um grupo heterogêneo de doenças raras e potencialmente fatais, caracterizadas pela escassez de tecido adiposo, o que leva à capacidade insuficiente de armazenamento de nutrientes, gordura em excesso e ao transbordamento dela para locais ectópicos, ou seja, fora de onde deveria estar. O tipo da doença é definido base na extensão da perda de tecido adiposo em todo o corpo (generalizada ou parcial) e pela sua causa, podendo ser herdada ou adquirida.
A linha de cuidado para pacientes crônicos diz respeito ao trabalho desenvolvido por equipes multidisciplinares, compostas por médicos, enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas e psicólogos, e à garantia de atenção diferenciada em relação a determinado tipo de doença. A exemplo da lipodistrofia, pacientes que desenvolvem diabetes em decorrência de seu diagnóstico precisam de atendimento especializado para o controle adequado da glicemia, além de orientação dietética específica.
Além do diabetes, a pessoa com lipodistrofia pode sofrer com pancreatite, cirrose, doença hepática, além de infecções. Não só, pode apresentar alterações nos níveis de colesterol e dos triglicerídeos e, como consequência, exibir problemas relacionados ao aparelho cardiovascular, como maior risco de infarto e derrame. Não à toa, as principais causas de morte em pacientes com lipodistrofia são doenças cardiovasculares, além de problemas relacionados à falência hepática, infecções graves e pancreatite aguda por hipertrigliceridemia grave.
Por isso, além do atendimento médico por profissionais habilitados para tratar a doença e que conheçam suas peculiaridades e os detalhes da história do paciente, a linha de cuidado relacionada à lipodistrofia deve envolver o cuidado nutricional adequado.
Infelizmente, ainda hoje, há grande falta de conhecimento em relação ao diagnóstico da doença, especialmente na atenção primária, que é o primeiro nível de atenção em saúde. Isso torna o desafio de cuidar dos pacientes com lipodistrofia ainda maior, pois muitas vezes eles são atendidos por médicos que desconhecem a doença e acabam sendo tratados exclusivamente para algumas doenças, como o diabetes ou a dislipidemia, por exemplo, sem serem submetidos ao rastreamento e cuidado adequado de todas as condições e/ou complicações associadas à lipodistrofia.
Como consequência, a qualidade de vida desses pacientes é negativamente impactada, tornando-os mais suscetíveis a complicações precoces e à diminuição da expectativa de vida. Estima-se que pacientes com lipodistrofia generalizada vivem, em média, até os 51 anos e os pacientes com formas parciais, até os 66 anos2, um tempo consideravelmente menor do que a expectativa de vida média do brasileiro.
Dados como esse são alarmantes e escancaram a necessidade de que esses pacientes recebam o cuidado e o olhar especializado necessários, com centros terciários que sejam referência, e que obtenham atendimento digno e respeitoso em relação ao seu diagnóstico e ao seu tratamento.
*Cynthia Melissa Valerio é endocrinologista e pesquisadora do IEDE-RJ.