Capital Estratégico dos Dados: o diferencial na Saúde Suplementar
Por Thiago Kovtunin
O cenário da saúde suplementar no Brasil é de contínua contradição. Embora a sinistralidade média tenha apresentado melhora nos últimos meses, a sustentabilidade do setor continua enfrentando desafios estruturais. A pressão existente no necessário balanceamento entre custo e eficácia médica é implacável, impulsionada por dois fatores principais: a importante incorporação de novas tecnologias e medicamentos, e a inflação médica, que historicamente supera a inflação geral do país. Este contexto exige uma busca incessante por eficiência operacional e assistencial.
Nesse contexto, os dados assumem o papel de novo capital estratégico. Mais do que registros administrativos, eles se tornam instrumentos decisivos para compreensão de riscos, para a personalização de serviços e criação de vantagens competitivas sustentáveis, sem deixar de atender às exigências dos beneficiários na excelência na prestação de serviços.
As operadoras já dispõem de informações valiosas, como dados do histórico de uso do plano, dados cadastrais, reembolsos, glosas e informações sobre a rede de prestadores. Esses elementos internos permitem compreender a dinâmica de custos e frequências, mas sozinhos apresentam limitações. Quando enriquecidos com dados de fontes externas e públicas, como indicadores de governança empresarial, econômicos, ocupacionais e até de relacionamentos digitais, esses dados ganham uma nova dimensão, transformando-se em um ativo estratégico para tomada de decisão, principalmente quando combinados com inteligência artificial e, obviamente, atendendo às exigências da LGPD.
Por exemplo, é possível entender não apenas o perfil cadastral e histórico de uso dos planos, mas também cruzar informações criminais, financeiras, jurídicas e ainda de vínculos societários para qualificar melhor os prestadores, fornecedores, parceiros ou entender melhor o perfil dos beneficiários.
Essa integração tem aplicações diretas em áreas críticas da saúde suplementar. Na prevenção de fraudes, a análise criteriosa e ágil do cruzamento entre histórico do uso do plano e vínculos entre beneficiários, prestadores e intermediários podem revelar padrões suspeitos que indicam tentativas de enriquecimento ilícito, ou mesmo sinalizar que determinada pessoa é um “laranja” ou até vítima de redes criminosas. A análise precisa ser feita com rapidez e rigor, justamente para separar de maneira justa quem de fato necessita de assistência médica, daqueles que buscam explorar “brechas” do sistema.
Outro campo relevante é a gestão da rede prestadora. Avaliar hospitais, clínicas e profissionais com base em tempo de atividade, taxa de sobrevivência no mercado, governança, perfil dos sócios e histórico de reclamações permite negociar contratos mais sólidos e previsíveis, além de assegurar continuidade e qualidade no atendimento ao beneficiário. A exposição georreferenciada também contribui para identificar sobreposição ou ausência de rede e otimizar a distribuição de recursos, tornando os serviços mais eficientes.
Na experiência do beneficiário, os dados também são transformadores. Ao cruzar informações de perfil de consumo digital com dados internos das operadoras, é possível personalizar jornadas de atendimento, oferecendo canais mais ágeis e adequados ao perfil de cada usuário. Beneficiários com mais facilidade em lidar com tecnologia, por exemplo, podem ser direcionados para soluções digitais-first, enquanto outros perfis podem demandar um atendimento híbrido ou presencial. Essa personalização reduz atritos e aumenta a percepção de valor, evitando, inclusive, que uma jornada de acompanhamento de saúde seja interrompida, o que poderia agravar uma eventual comorbidade e impactar a sinistralidade, cenário este negativo para todos os envolvidos.
Os benefícios são tangíveis: melhoria da margem operacional, fidelização de beneficiários por meio de jornadas mais rápidas e personalizadas e fortalecimento da governança assistencial. Operadoras que conseguem estruturar essa inteligência de dados internos e externos consolidam um relacionamento mais saudável com prestadores, corretores, estipulantes e beneficiários e aumentam a previsibilidade dos riscos.
Naturalmente, esse movimento necessita atenção. O cumprimento da legislação, em especial da LGPD, exige anonimização a depender da aplicação e rígida governança de acesso às informações sensíveis. A integração de múltiplas fontes demanda infraestrutura tecnológica robusta, como data lakes bem estruturados e variáveis pré-consolidadas. Além disso, é necessário investir em cultura orientada a dados, formando equipes capacitadas para transformar informação em decisões executivas.
Trabalhar com parceiros especializados, que compreendem a complexidade do setor e sabem lidar com diferentes jornadas, também se torna fundamental. A empresa que se isola e tenta resolver tudo sozinha provavelmente irá avançar de forma mais lenta e corre o risco de se tornar obsoleta. E, novamente, devo alertar que toda a análise precisa ser criteriosa, ágil e justa.
O futuro da saúde suplementar dependerá, em grande medida, da capacidade das operadoras de transformar dados em vantagem competitiva. A integração entre informações internas, como sinistros, glosas e rede prestadora, e dados externos, que vão de indicadores socioeconômicos a compliance e governança, é o caminho para alcançar previsibilidade, eficiência e melhor experiência ao beneficiário. As empresas que estruturarem esse processo desde já estarão mais preparadas para enfrentar a pressão sobre margens e entregar valor sustentável ao mercado, posicionando-se à frente na próxima fase de transformação do setor.
*Thiago Kovtunin é head de produtos da Neurotech.