Pesquisa revela amplo apoio à vacinação, à ciência e ao SUS
Após um ano e meio de pandemia, a ciência tem tido cada vez mais evidência, inclusive no debate político. Mas, como a sociedade tem enxergado a sua importância ao longo dessa crise sanitária que atingiu o mundo todo? Um levantamento realizado pelo Centro SOU_CIÊNCIA em parceria com o Instituto Ideia Big Data traçou uma radiografia de como a população tem percebido a relevância da ciência, assim como tem percebido a atuação das universidades públicas, local responsável por mais de 80% da produção científica nacional. Os dados revelam o reconhecimento da sociedade, mas também demonstram diferenças importantes de acordo com o perfil do público, inclusive em aspectos de preferência política, além de divulgar a necessidade da informação chegar com linguagem adequada e exemplos concretos às faixas de menor renda e menor escolaridade.
A pesquisa, que tem grau de confiança de 95%, foi realizada entre os dias 2 e 5 de agosto e envolveu 1.248 entrevistados, entre homens e mulheres residentes em todas as regiões do Brasil com idade igual ou superior a 16 anos, de diferentes escolaridades, raça/cor, renda salarial e classe social. A amostra seguiu cotas variáveis, segundo distribuição da população por região e com proporções definidas com base nas pesquisas Pnad 2018 e Censo 2010/IBGE. A variedade foi fundamental para a observação da construção do cenário atual de maneira mais ampla.
A importância que se dá à ciência atualmente cresceu, na comparação com a importância que se dava antes do período de pandemia. Também cresceu o apoio à Universidade e ao SUS. Os que mais demonstram amplo apoio à ciência são pessoas mais velhas, acima dos 45 anos (74,4%), com Educação Superior (73,5%) e que desaprovam o governo de Jair Bolsonaro (78%). Mas, chama a atenção que o maior crescimento, em uma escala de um a cinco, na importância dada à ciência se deu entre classe C (61,7%) e negros (68,6%), o que revela que parcelas importantes da população estão descobrindo a ciência e mais interessadas em informação científica.
“Nesse quesito, há outro dado que merece destaque. Mesmo entre os apoiadores de Bolsonaro, 76,1% acreditam na ciência, índice pouco menor do que o existente entre críticos do presidente (88,7%). Essa informação revela que o discurso negacionista e até anticiência disseminado pelo governo não ganha eco mesmo dentro do universo de seus defensores”, ressalta Pedro Fiori Arantes, um dos coordenadores do centro SOU_CIÊNCIA.
Esse termômetro de importância geral dada à ciência durante a pandemia também pode ser observado na vacinação contra o novo coronavírus. O levantamento mostra que entre os entrevistados, o índice de recusa à imunização é pequeno no Brasil, apenas 5,5%. Nos Estados Unidos o índice de recusa da vacina é quase quatro vezes maior, 20% (segundo pesquisa Gallup, de Julho de 2021). Soraya Smaili, farmacologista e ex-reitora da Unifesp (universidade que fez a pesquisa clínica da vacina Oxford no Brasil) e coordenadora geral do SOU_CIÊNCIA, acredita que esse dado é muito favorável à eficácia da vacinação: “Nossa população não embarcou no negacionismo e no movimento antivacina, ao contrário, quer estar vacinada e quer defender a vida – essa é uma notícia que nos faz acreditar que temos chance de sucesso na contenção do vírus, mesmo que novas vacinas tenham que ser aplicadas, em função das variantes. O gargalo é o financiamento da ciência e de nossas universidades, o que vem retardando inclusive a vacina brasileira.”
A crítica aos cortes no orçamento da ciência adotada pelo governo federal – nos últimos anos, foram retirados R﹩ 38 bilhões dos recursos que seriam direcionados para pesquisas e laboratórios – é outro fator de reconhecimento da sociedade à ciência. Dos entrevistados na pesquisa, 62,1% se mostraram contra os cortes e apenas 9% a favor. Mesmo entre os apoiadores de Bolsonaro, 38,1% são contra a política de cortes e 24,2% se mostraram a favor. Para Soraya Smaili, “em geral, as pessoas entendem que os recursos aplicados na produção científica retornam para a própria sociedade em estudos de tratamentos e de imunizantes, por exemplo, como temos vivido durante a pandemia”.
Arantes comenta que ainda há variações na adesão que merecem atenção: “Embora a ampla maioria esteja favorável à vacinação, no nível de menor escolaridade, por exemplo, a recusa é quase 5 vezes maior do que formados no ensino superior (7,8% e 1,7%, respectivamente). Entre apoiadores do Bolsonaro, o índice de recusa também quase 4 vezes maior dos que entre os que desaprovam o presidente (respectivamente, 11,4% e 2,9%)”.
Ao perguntar sobre onde o entrevistado procura informação confiável sobre a pandemia, prevenção, tratamento e vacinas, o levantamento revelou uma informação surpreendente: sites de institutos de pesquisa e universidades, na média, são tão acessados quanto os jornais e revistas (32,1% e 35,3%, respectivamente). A TV aberta é considerada o principal veículo de informação (44,4%). Contudo, Pedro Arantes ressalta que, mesmo tendo resultado médio similar a jornais e revistas na busca por informações confiáveis, “há grandes disparidades de acesso entre aqueles com ensino superior (51,2%) e fundamental (18,6%), assim como mais ricos (50,2%) e classes D e E (17,8%). Pessoas que desaprovam o governo também buscam mais esse tipo de informação qualificada (40% contra 26,7%)”. A pesquisa ainda revelou outro dado que anima os cientistas: quando perguntados sobre quais os melhores formatos para receber informação sobre saúde e ciência, os artigos científicos já são a segunda alternativa mais desejada (com 39,8%), depois de reportagens em TV (61%). Soraya Smaili comemora a informação: “a população quer ter informação confiável e de qualidade, ir direto à fonte. Nosso desafio agora é como apresentar e debater os artigos científicos em linguagem acessível e o SOU_CIENCIA veio para isso”.
No quesito de acesso à informação confiável em saúde e ciência, há outro dado de destaque. Apenas 8,8% dos entrevistados se fiam nos pronunciamentos do presidente sobre a pandemia. “Mesmo os apoiadores de Bolsonaro representarem a menor parcela daqueles que se informam pelas emissoras abertas de televisão (28,2% contra 44,4% da população), esse índice ainda é maior aos que ainda se fiam nos pronunciamentos do presidente (20,9% entre seus apoiadores). A leitura que fazemos é de que apesar do apoio ao governo, ao menos na conduta do Presidente sobre a pandemia, não há confiança de seus apoiadores. A ciência está vencendo”, detalha Arantes.
SUS e universidades públicas também reconhecidas
A pandemia também fez crescer a importância que a sociedade dá ao Sistema Único de Saúde (SUS) e às universidades públicas e seus hospitais. O reconhecimento da relevância do SUS cresceu 53,1% com a pandemia, com 78% dos entrevistados dando importância alta e altíssima para o sistema de saúde pública. “A maior aprovação ao SUS está entre os que desaprovam o governo atual, mas o que nós mais destacamos é que os mais ricos descobriram a importância do SUS na pandemia, o dado é incrível, o apoio da faixa de maior renda ao SUS cresceu 98,4% depois da pandemia”, detalha Arantes.
Com relação às universidades públicas, o crescimento da importância depois da pandemia foi de 39,5%. Fazem parte do perfil de pessoas que mais importância dão agora às instituições públicas de ensino superior as pessoas do gênero feminino (64,5%); com ensino Médio (64,2%) e Superior (65,2%); maior renda, com mais de cinco salários mínimos (69,3%); e críticos do presidente Bolsonaro (69,1%). Mesmo entre apoiadores do presidente, 61,7% defendem as universidades públicas, o que mostra que mesmo com os ataques “à universidade pública que falam para segmentos minoritários do Bolsonarismo, a maioria dos apoiadores do governo também apoia as universidades públicas, que deveriam ser mais valorizadas, pois nelas que se faz a ciência brasileira e que se produz informação confiável”, comenta Maria Angélica Minhoto, também coordenadora do SOU_CIÊNCIA.
Espelho da demonstração dessa relevância também é o índice de pessoas a favor da retomada da expansão das vagas nas universidades públicas e institutos federais. Vale lembrar que essas instituições registraram forte expansão entre os anos de 2005 e 2015, com 800 novos campi e 2,5 milhões de vagas. A partir de 2016, contudo, a expansão estagnou e o orçamento ano a ano foi reduzido. O levantamento mostrou que 52,3% das pessoas são a favor da retomada da expansão da educação superior pública e gratuita, bem como favoráveis a aumentar o investimento.
A pesquisa também mostrou que apenas 8,3% defendem privatizar as universidades ou cobrar mensalidade, além de reduzir o investimento. Nesse quesito, Pedro Arantes ressalta um ponto de preocupação revelado na pesquisa. “Entre aqueles que declararam indiferença com relação ao tema, 41,1% são do nível fundamental e 45,8% de menor renda, ou seja, justamente a população potencialmente beneficiada pela expansão das vagas públicas. Vale dizer que o mesmo aconteceu no tema financiamento da ciência e isso revela quanto essa parcela da sociedade está pouco informada do assunto e quanto precisamos nos conectar mais com eles.”
Esse perfil de desinformação ou desinteresse também se repete no tema política de cotas para ingresso de estudantes negros, indígenas, provenientes de escolas públicas e com deficiência nas universidades públicas. A lei que criou essa política de acesso termina em 2022. Nesse item, 44,4% das pessoas disseram ser a favor da renovação da política de cotas, e 18,9% se manifestaram pelo seu cancelamento. Disseram ser indiferentes 15,3% e sem conhecimento 21,4%. Entre os majoritariamente contrários estão apoiadores do Bolsonaro (35%) e mais ricos (37,4%). Mais favoráveis às cotas são os que desaprovam Bolsonaro (57,9%), com faixa de renda média, entre 3 a 5 SM (52,1%), e negros (51,2%). Entre aqueles menos informados, que não souberam se posicionar ou declararam indiferença estão pessoas com nível fundamental (46,1%) e com menor renda (49,1%), “o que mostra novamente que esses temas não chegaram ou chegaram de uma forma que não impactasse os mais pobres e menos instruídos, público que seria beneficiado direta ou indiretamente por essa disponibilização de acesso”, conclui Arantes.
Os dados permitirão agora que o centro de estudos SOU_CIÊNCIA aprofunde a avaliação dos resultados para traçar linhas de pesquisa acadêmica sobre os temas.