Um olhar para doenças raras a partir da avaliação de tecnologias
Por Verônica Stasiak Bednarczuk de Oliveira e Marise Basso Amaral
Atualmente, estima-se que cerca de 13 milhões de brasileiros convivem com alguma doença que se enquadra na categoria “doença rara”, um conjunto de milhares de enfermidades, normalmente genéticas e hereditárias, que provocam obstáculos e dificuldades à vida das pessoas. Os desafios começam já no diagnóstico e perpassam o manejo da doença no dia-a-dia e em seu tratamento. As principais dificuldades incluem: a surpresa do paciente e da família que são assoberbados com um diagnóstico cuja doença nunca ouviram falar; na sequência começa a conscientização de familiares, amigos, colegas de escola e de trabalho sobre a condição e todas adversidades que vêm com ela, inclusive a desinformação e o preconceito.
Como se já não bastasse o impacto do diagnóstico da doença rara e seu prognóstico no paciente e em todos ao seu redor, inicia-se a incessante luta pelo acesso ao tratamento mais adequado que, por muitas vezes, não está disponível nos planos de saúde, no SUS ou mesmo para comercialização no Brasil. Famílias inteiras mergulham de cabeça nesse novo mundo, antes completamente desconhecido, e suas vidas começam a girar em torno de conseguir acesso ao que há de melhor para que seu ente querido possa viver com a melhor qualidade que houver disponível. É a partir deste momento que passam a conhecer os processos de avaliação de tecnologias em saúde e passam a atuar por eles.
Por este motivo, o Unidos Pela Vida – Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística realiza, em 22 e 23 de novembro, a segunda edição do Fórum Brasileiro de Avaliação de Tecnologias em Saúde para Doenças Raras, que acontece presencialmente pela primeira vez em São Paulo com transmissão virtual e gratuita para todos os interessados. No evento, teremos a oportunidade de reunir importantes especialistas, médicos, pesquisadores, pacientes, associações de pacientes, e representantes do setor de saúde para discutir ATS em diversos aspectos: como lidar com as inovações que estão chegando; os aspectos éticos da tomada de decisão em ATS; a geração de evidências, a precificação e sustentabilidade do sistema; o controle e a participação social nos processos e como tudo isso impacta a vida dos pacientes com doenças raras no Brasil.
É importante pontuar que o processo de avaliação das tecnologias em saúde é de suma importância para qualquer patologia ou condição, seja ela rara ou prevalente. Trata-se de um processo analítico multifatorial, qualitativo e quantitativo, que visa fornecer embasamento para a decisão sobre a disponibilização de exames, medicamentos, equipamentos médicos e procedimentos cirúrgicos no Sistema Único de Saúde (SUS) ou a incorporação obrigatória da referida tecnologia pelos operadores de planos de saúde no Brasil. É fundamental termos em mente que, atualmente, tratamentos inovadores possuem um valor inacessível para a maioria das pessoas. Por isso, faz-se necessário o custeio integral dos sistemas de saúde para que pacientes com doenças raras tenham acesso aos tratamentos corretos para uma melhor qualidade de vida. E para isso acontecer, se faz necessário muita informação, estudo, união, organização, luta, articulação política, evidências de mundo real e vontade de fazer a diferença para os seus e para o coletivo.
Um exemplo recente de luta por acesso foi a vitória obtida pela sociedade civil que ocasionou na incorporação do medicamento inovador elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor (Trikafta®) no SUS para pacientes com fibrose cística. A medida foi um marco no tratamento à doença, possibilitando que cerca de 1.700 pessoas que possuem indicação ao medicamento, considerado um dos mais inovadores do mundo para o que se propõe, tenham acesso a ele de forma gratuita no Brasil. Essa conquista foi possível, para além de todos os dados de eficácia e redução do preço, graças a campanhas e ações para demonstrar ao poder público a importância do tratamento para as pessoas elegíveis. Nós, do Unidos pela Vida, estivemos direta e ativamente envolvidos em pesquisas, articulações, capacitações e negociações, que tornaram possível que este sonho se tornasse realidade.
Almejamos uma comunidade de doenças raras mais conscientizada, instruída e engajada nos processos de avaliação de tecnologias em saúde, envolvendo diferentes públicos, a exemplo de stakeholders, governo, indústria, profissionais da saúde, pacientes e seus familiares. Entendemos a importância do debate urgente e constante do tema. Queremos que o presente e futuro nos reserve mais visibilidade e acesso para doenças raras, conquistas efetivas, acesso amplo e, acima de tudo, a possibilidade de uma trajetória digna e com qualidade de vida para todos os pacientes.
*Verônica Stasiak Bednarczuk de Oliveira é fundadora e diretora executiva, e Marise Basso Amaral é diretora-geral, do Unidos pela Vida – Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística.