Sistema de Saúde Brasileiro desperdiça 53% do custo assistencial
Nos hospitais brasileiros, 53% dos custos assistenciais são consumidos por desperdícios causados por falhas na entrega de valor. A informação faz parte do levantamento realizado na base de dados da plataforma Valor Saúde Brasil, da DRG Brasil e IAG Saúde. O estudo analisou as internações de 340 hospitais que atendem 16,8 milhões de vidas, tanto do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto da saúde suplementar. Apesar de alarmante, o resultado demonstra que existe um caminho para aumentar a qualidade do atendimento e dar mais acesso ao sistema de saúde, sem a necessidade de ampliar os recursos investidos. Em resumo: é possível fazer mais e melhor com o mesmo.
No total, foram avaliadas mais de 4,09 milhões de altas. Ao corrigir os problemas, seria possível realizar 2,16 milhões de atendimentos a mais com o mesmo número de leitos. Isso representaria um total de 6,25 milhões de brasileiros beneficiados com a eliminação dos desperdícios.
Análise do problema
Mas onde ocorrem os problemas? De acordo com os dados da plataforma, as falhas estão relacionadas aos processos dos operadores, dos hospitais, dos médicos e das equipes multidisciplinares. Enfim, existem ajustes necessários em toda a cadeia produtiva. Só para ter uma ideia, a ineficiência no uso do leito hospitalar representa 49,3% do desperdício de uma unidade hospitalar. Já as internações por condições sensíveis à atenção primária equivalem a 11,5% do total. Por sua vez, tanto os serviços de cirurgia ambulatorial quanto de emergência aparecem na lista com 2,2% cada.
Outro dado alarmante: as reinternações hospitalares precoces potencialmente preveníveis representam 13,5% do desperdício. Esse problema ocorre, por exemplo, na inadequada transição do cuidado hospitalar para o nível ambulatorial ou por complicações da internação anterior que se manifestam ou se agravam após a alta.
Essa situação não é uma exclusividade dos brasileiros. Estudos demonstram que o desperdício no sistema de saúde dos Estados Unidos é de aproximadamente US$ 2 trilhões, o que representa 2,5% do PIB norte-americano.
No Brasil, porém, eliminar essas falhas ainda não é uma prioridade no sistema de saúde. Ao analisar os dados da plataforma, é possível verificar que existem internações hospitalares clínicas e cirúrgicas que são evitáveis, seja com uma assistência adequada na atenção primária ou com serviços de cirurgia ambulatorial e de emergência bem resolutivos.
Fatores
Representando uma grande fatia do desperdício, a ineficiência no uso do leito está relacionada ao aumento da permanência hospitalar além da necessária para a complexidade clínica do problema. Isso ocorre por conta dos seguintes fatores:
– Falhas no complexo processo assistencial hospitalar, como atraso de exames;
– Burocracia excessiva nas relações do hospital com o comprador de saúde, como a demora para autorizações;
– Problemas nas relações com a família e o paciente. Por exemplo: demora na tomada de decisão;
– Ausência de recursos extra-hospitalares para continuidade de cuidados;
– Problemas jurídicos e sociais.
Na Prática
Apesar de ainda não ser prioridade no sistema brasileiro como um todo, a eliminação do desperdício foi colocada em prática por dezenas de operadoras da saúde suplementar, SUS, hospitais, médicos e corporações. São instituições nacionais que já apresentam resultados significativos em torno da entrega de valor em saúde.
Dessa forma, todos são beneficiados. O paciente, por exemplo, apresenta redução nos danos físicos, psicológicos e também nos custos. Por sua vez, a população tem maior acesso, assim como a ampliação da qualidade do cuidado. Já os financiadores do sistema de saúde conseguem um menor custo per capita, preservando recursos preciosos.
À medida que as organizações prestadoras de serviço de saúde mudam seu foco de volume para valor, a redução do desperdício cria a oportunidade de compartilhamento de recursos entre as partes interessadas do sistema de saúde.
A mudança do foco para a saúde baseada em valor já apresenta resultados significativos em diferentes instituições no Brasil. A implantação do programa no SUS de Belo Horizonte, por exemplo, permitiu internar mais 20.400 pessoas em 2019, mesmo com a redução do número de leitos da rede. O aumento da eficiência equivale a um hospital com 250 leitos.
Já o Hospital Márcio Cunha, em Ipatinga, internou mais 1.905 pacientes/ano. Por sua vez, o Hospital dos Fornecedores de Cana de Piracicaba conseguiu fechar 10 leitos de terapia intensiva com o aumento da eficiência.
Nesse processo de transformação, médicos e colaboradores também são beneficiados com o compartilhamento das economias provenientes do controle de desperdício pela entrega de valor. Com o auxílio da metodologia, a Unimed Belo Horizonte conseguiu bonificar sua rede de hospitais com um valor de 3% da receita anual, além de distribuir quantias significativas aos médicos cooperados. O mesmo processo vem sendo experimentado pela CEMIG Saúde, Unimed Santa Maria (RS), Unimed Volta Redonda (RJ) e mais de 80 outras operadoras de planos de saúde.
Apesar do subfinanciamento do SUS e o retorno dos gastos dos planos de saúde aos níveis pré-pandemia, fica comprovado que é possível entregar mais acesso com o recurso já disponível. Dessa forma, o caminho para a sustentabilidade econômica do sistema e para o acesso à saúde qualificado ao cidadão passa por mudar o paradigma gerencial atual: de controle e restrição do acesso e uso para a entrega de valor em saúde.