Desvendar a interoperabilidade para melhorar a saúde

Por Jihan Zoghbi

Hoje, mais do que nunca, a saúde está em foco. E a pandemia acelerou os processos de transformação digital, além de elevar o olhar para questões importantes como a experiência do paciente, a urgência, a expectativa, a criticidade e a prioridade no atendimento. Neste sentido, diversos estudos e pesquisas têm sido feitos, com enfoque na interoperabilidade da saúde, mais especificamente na América Latina e no Brasil.

Para começar, um ponto pacífico é o fato de o Sistema de Saúde ser bastante complexo, sob qualquer ótica — do médico ao gestor do hospital e do paciente ao próprio setor de saúde. Um dos primeiros passos pode ser universalizar o acesso e garantir que a tecnologia ajude a todos, a fim de trazer a inovação como benefício para um maior número de pessoas. Como etapa seguinte, é importante potencializar o uso de novos recursos a serviço da saúde, como por exemplo a telemedicina. Em um país continental como o Brasil, essa ferramenta, aliada à inteligência artificial e ao uso de wearables, é algo promissor.

A interoperabilidade pode se tornar a chave de um atendimento de sucesso, para que cada pessoa possa ser acompanhada em sua integralidade. Para que isso seja possível, o paciente e/ou responsável deve ter conhecimento dos próprios dados. Por sua vez, o médico necessita ter acesso a esse histórico, para analisar cada caso em 360 graus. Assim, quem é atendido também consegue classificar o atendimento, reportando sua percepção sobre todo o sistema. Essas informações melhoram a gestão de saúde e todos os dados ajudam a orientar as políticas nacionais na área.

Para se obter dados globais e dimensionar as enfermidades em um aspecto mais amplo, a fim de determinar políticas e ações a serem tomadas no espectro da Saúde, as informações em tempo real são fundamentais para decisões assertivas, como vem ocorrendo agora na pandemia do Covid-19. Assim, a interoperabilidade oferece uma visão muito mais ampla, transacional, técnica, por meio de softwares, semântica e, até, sintática.

Estudos permitiram que fosse consolidado um quadro geral, que por sua vez, possibilitou que estes dados ultrapassassem fronteiras na elaboração de políticas mundiais de saúde. São exemplos de gestão de sistemas de saúde aqueles realizados no Reino Unido e na Austrália.

Ao analisarmos os gargalos para a implantação de projetos na América Latina, verificamos a necessidade de uma coordenação de todos os dados, um sistema de cooperação internacional sinérgica e também a comunicação estratégica de ações em comum. Uma agenda digital única conhecida terá um forte impacto no sistema de saúde, o que impacta também diretamente a área de desenvolvimento econômico e social.

Algumas particularidades de cada país também são interessantes. Na Argentina, Colômbia e Chile um dos um dos principais desafios é a comunicação de dados, ou seja, um gargalo. Mas é preciso identificar também que os grandes desafios da América Latina hoje estão concentrados em áreas específicas, como a demográfica, econômica e tecnológica. Ao vencermos cada um desses desafios, mais relevância terão os dados obtidos. Dados precisos vão nos permitir a tomada de decisões globais, ações pontuais e o benefício individual.

Interoperabilidade e a gestão de saúde

Do ponto de vista dos gestores de saúde, o compartilhamento de prontuários, de exames entre outras informações ainda acontecem de forma muito tímida. Na teoria, a interoperabilidade está bem formatada, mas não é utilizada em grande escala no Brasil, o que parece ser o principal desafio, para que se possa avançar nessas políticas.

A discussão sobre o tema entre os profissionais, por meio da Associação Brasileira CIO Saúde, contribui para que a pauta se popularize. A entidade, inclusive, deve dar o exemplo para toda a sociedade e, assim, divulgar a interoperabilidade, não apenas pelo lado da tecnologia envolvida, mas também pela perspectiva das pessoas e da comunicação entre as partes, a fim de impulsionar os negócios e melhorar a saúde.

A discussão sobre a interoperabilidade não deve se restringir, por óbvio, aos profissionais de tecnologia, mas deve envolver a área técnica e também a área executiva do hospital, e fornecedores do segmento. É preciso distribuir os papéis. Quem distribui a tecnologia? Quem é o responsável pela integração entre os sistemas para gerar a interoperabilidade de dados no âmbito hospitalar? E no âmbito da Saúde? Os dados de saúde são muito sensíveis e os formatos técnicos habilitados para executar essa tecnologia são pouco conhecidos, até mesmo entre os próprios técnicos. Mas é preciso avançar.

A interoperabilidade não é somente a técnica e a comunicação entre as partes do negócio de saúde, mas, é, principalmente, entre as pessoas, entre os pacientes e os médicos, entre os profissionais de saúde e a própria instituição, hospitais, agências e planos.

Urge que se faça uma reformulação para que os fornecedores se adaptem às pessoas e a infraestrutura se adapte a essas exigências tecnológicas como as da interoperabilidade. O caso mais emblemático é o Protocolo DICOM (comunicação de imagens digitais em Medicina), um conjunto de normas para tratamento, armazenamento e transmissão de imagens médicas num formato eletrônico, estruturando em um protocolo. O mesmo deve acontecer quanto a interoperabilidade.

Além dessa padronização, outro fator importante para avançar em relação à interoperabilidade no Brasil é a regulamentação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que incide diretamente nos dados de saúde, na utilização de prontuários eletrônicos, no uso de plataformas de conversão entre dados e na conectividade.

Hoje, já se fala em Saúde 5.0, integrando todos os tipos de tecnologias. Há uma clara migração do paciente do hospital para o ambiente domiciliar, com a introdução de IoT, nuvem e de sistemas que conversam entre si. Essa transição tem potencial para ser muito mais bem sucedida. O paciente é o principal foco de toda a atenção, pois o futuro da Medicina é inovador mas, acima de tudo, humano.


*Jihan Zoghbi é presidente da Dr. TIS e da Associação Brasileira CIO Saúde (ABCIS).

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