Marketing e publicidade médica em análise à legislação vigente
Marketing e Publicidade Médica têm sido um dos assuntos mais discutidos nos últimos tempos tanto por profissionais autônomos da medicina quanto por estabelecimentos clínicos e hospitalares. Uma discussão que tem gerado dúvidas e angústias na classe médica por, verdadeiramente, não saber lidar com as “legalidades” e “ilegalidades” dispostas tanto no Ordenamento Jurídico Pátrio, bem como nas Resoluções publicadas pelo Conselho Federal de Medicina.
Aqui irei apresentar, conceituar, defender e comprovar que, sim, aos médicos é permitido a realização de publicidade e marketing como uma forma de apresentar à sociedade, de um modo geral, o seu trabalho, o seu conteúdo e a sua autoridade na sua área de atuação, sem que isto incorra em sanções éticas junto ao seu Conselho Regional.
Inicialmente vamos diferenciar marketing de publicidade.
Marketing é uma ciência, a arte de explorar, criar e entregar valor para satisfazer as necessidades de um público-alvo com geração de lucro, segundo denominação do estudioso de economia norte-americano, Philip Kotler. Para ele, o “pai do marketing”, como é conhecido nos dias de hoje, a finalidade maior do marketing é identificar desejos e gerar valor para assim, criar um relacionamento com o seu público-alvo, com a sua audiência.
Enquanto que a publicidade é uma estratégia do marketing, um pilar, uma das várias possibilidades de desenvolvimentos do marketing. A publicidade abrange desde a compra de espaço em um veículo de mídia para a divulgação de um produto, serviço ou marca até a elaboração do objetivo a ser atingido, o público-alvo e o incentivo para a aquisição do produto ou do serviço.
Assim, claramente, podemos entender que o marketing não se restringe à divulgação em redes sociais. Pelo contrário, vai muito além das principais redes que conhecemos hoje, como Instagram, Facebook, LinkedIn e WhatsApp. Um bom trabalho de marketing inicia-se com o planejamento da sua clínica, do seu consultório e do seu hospital. E a excelência no trabalho de marketing acontece quando o profissional é representado com autenticidade e respeito aos pacientes e sociedade, o que por si só já diz muito sobre a atuação ética e moral do profissional, cujo dever finalístico de sua formação profissional é a saúde e o bem-estar do indivíduo e não a pura e simples mercantilização de produtos e serviços – o que é vedado não apenas pelo Código de Ética Médica, mas também pelo nosso Ordenamento Jurídico, especialmente na Constituição Federal do Brasil, no Código Civil Brasileiro, Código de Defesa do Consumidor e Código Penal Brasileiro.
Feito estes esclarecimentos, partiremos agora para as possibilidades expressas no Ordenamento Jurídico, nas Resoluções dos Conselhos Regionais e Federal de Medicina e o já disposto em Doutrinas acerca do Marketing e da Publicidade Médica.
A Nossa Carta Maior, a Constituição Federal de 1.988, no seu Capítulo I – DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS, artigo 5º, Inciso IV e IX, Constituição Federal sobre o assunto:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
E ainda, artigo 170, Parágrafo Único também da Constituição Federal discorre expressamente que:
A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
A Nossa Carta Magna é clara quando oferece liberdade de comunicação, pensamento e exercício de qualquer atividade econômica, livre de qualquer permissão antecipadamente, desde que obedeça as restrições previstas em lei e aqui, abrangem também, as Resoluções dos Conselhos Regionais e o próprio Conselho Federal de Medicina.
Nesse mesmo entendimento, a legislação também oferece permissão para que seja realizado o marketing e a publicidade médica bastando, para isso, tão somente as observâncias regulatórias do Conselho de Classe, Autarquia Federal, com determinação legal expressa para regular e fiscalizar o exercício profissional do médico, de clínica e hospitais.
Importante lembrar que o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina foram instituídos pelo Decreto-Lei n.º 7.955/1945, posteriormente convertido na Lei n.º 3.268/1957, passando a constituir-se em uma autarquia, sendo cada Conselho dotado de Personalidade Jurídica de Direito Público, com autonomia administrativa e financeira.
O Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina são os órgãos supervisores da ética profissional em toda a República e, ao mesmo tempo, julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente. E, é por essa razão que, compete aos Conselhos a edição de Resoluções acerca da Publicidade Médica. Destaco que estas Resoluções possuem força de Lei e, portanto, possuem liberdade para fiscalizar e punir, quando necessário, aquele profissional que não obedece aos critérios norteadores da ética e da boa conduta exigidas pela profissão.
O Conselho Federal de Medicina editou a Resolução n.º 1.974/2011 exatamente para esclarecer e direcionar os profissionais da medicina acerca da publicidade médica. E atentos às exigências e atualizações sociais e digitais, em 2015, por meio da Resolução n.º 2.126 revisou e atualizou a Resolução n.º 1.974/2011 oferecendo assim ao profissional médico, melhores condições éticas de apresentar o seu trabalho aos seus pacientes e a sociedade como um todo.
E a partir desta atualização na Resolução n.º 1.974/2011 podemos constatar sem a menor sombra de dúvidas que o Conselho Federal de Medicina proíbe os autorretratos, mais conhecidos como selfies em situações de trabalho e/ou atendimento. Proíbe também a divulgação de fotografias, imagens e/ou áudios que caracterizem ou possam vir a caracterizar o sensacionalismo, a autopromoção e até mesmo a concorrência desleal para com outro colega de profissão.
Vejamos o que nos diz o artigo 13 da Resolução 1.974/2011 atualizado em 2015 pela Resolução n.º 2.126:
As mídias sociais dos médicos e dos estabelecimentos assistenciais em Medicina deverão obedecer à lei, às resoluções normativas e ao Manual da Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos (Codame).
§1º Para efeitos de aplicação desta Resolução, são consideradas mídias sociais: sites, blogs, Facebook, Twiter, Instagram, YouTube, WhatsApp e similares.
§2º É vedada a publicação nas mídias sociais de autorretrato (selfie0, imagens e/ou áudios que caracterizem sensacionalismo, autopromoção ou concorrência desleal.
§3º É vedado ao médico e aos estabelecimentos de assistência médica a publicação de imagens do “antes e depois” de procedimentos, conforme previsto na alínea “g” do artigo 3º da Resolução CFM n.º 1.974/11.
§4º A publicação por pacientes ou terceiros, de modo reiterado e/ou sistemático, de imagens mostrando o “antes e depois” ou de elogios a técnicas e resultados de procedimentos nas mídias sociais deve ser investigada pelos Conselhos Regionais de Medicina.
A Resolução é clara e não deixa margem para interpretações diversas às expostas em seu caput e respectivos parágrafos. O exercício oposto ao determinado configura clara infração ética e a possibilidade de aplicação de sanções previstas em Lei n.º 3.268/1957, artigo 22, vejamos:
As penas disciplinares aplicáveis pelos Conselhos Regionais aos seus membros são as seguintes:
a) advertência confidencial em aviso reservado;
b) censura confidencial em aviso reservado;
c) censura pública em publicação oficial;
d) suspensão do exercício profissional até 30 (trinta) dias;
e) cassação do exercício profissional, ad referendum do Conselho Federal.
É observando a legislação ampla sobre o assunto que podemos dizer que aos profissionais médicos não há ilegalidade total na realização de marketing e publicidade na área da medicina. O que há são regulações e limites éticos e legais que devem ser respeitados, inclusive, deveres em relação aos princípios do exercício profissional, como por exemplo, a sobriedade, a discrição, a legalidade e a veracidade das informações ofertadas ao público, a sociedade e aos seus pacientes.
A doutrina e a jurisprudência nos permitem afirmar com segurança que o bom exercício das possibilidades informacionais garantem ao profissional da medicina a divulgação ética, responsável e muito útil a toda a sociedade, sem incorrerem em infrações e, consequentemente, no recebimento de sanções pelo Conselho de Classe a que está vinculado profissionalmente.
O respeitado e conceituado Professor Titular de Medicina Legal nos Cursos de Direito e de Medicina da Universidade Federal da Paraíba, Dr. Genival Veloso de França, na sétima edição de seu livro, Comentários ao Código de Ética Médica discorre na página 273, que:
Ninguém discute hoje a licitude da publicidade médica, principalmente quando ela está dentro de um limite de discrição e comedimento, fugindo, pois, dos exageros das fórmulas publicitárias comerciais, de anúncios desregrados na forma, tamanho e linguagem, o médico, portanto, tem o legítimo direito de anunciar, porém de maneira sóbria, discreta e verídica. Nunca anunciar através de títulos falsos ou ambíguos, especialidades não aceitas e não ensinadas nas escolas médicas, prestação de serviços gratuitos ou redução de honorários.
E assim, após estudos e muitas pesquisas acerca deste tão importante e debatido assunto na atualidade, junto ao exercício diário em defesa do profissional, que entendemos que sim, o médico pode realizar marketing e publicidade de seus trabalhos, desde que, respeitem os limites éticos e legais impostos na Legislação pátria e em todas as Resoluções dos Conselhos Regionais e Federal de Medicina.
*Núbia Cândida Batista de Sousa Rodrigues é advogada especialista em Direito Médico e da Saúde e Diretora Jurídica da área médica no escritório Bayma e Fernandes Advogados Associados.