Como implantar um projeto baseado em valor na saúde?

Por Rafaela Flamino

Não é de hoje que, lideranças do setor de saúde, trabalham para oferecer um serviço baseado em valor para todos os players do negócio. Eu gerencio a operação da principal operadora de saúde de Guarulhos (SP) e região e, por isso, conheço as principais forças e oportunidades de melhoria desse segmento quando observamos sua atuação na ponta.

Todos nós, que atuamos nessa área, temos como foco a qualidade assistencial alinhada à entrega ao paciente da melhor experiência no cuidado, buscando equilibrar o custo, que envolve toda a cadeia assistencial, e o resultado clínico. A sustentabilidade para uma operação nesse sentido está, justamente, numa prestação de serviço de qualidade, com segurança assistencial, protocolos bem definidos, monitoramento e justa alocação de recursos, evitando desperdícios. No entanto, ainda que evidente, estabelecer um caminho equilibrado e que se sustente, baseado em valor, não é tarefa fácil.

Gestão da Operação

Junto a outras lideranças da operadora em que gerencio a operação, identificamos os gaps, nos dedicamos a redesenhar nossos processos e focar em um planejamento à longo prazo, que trouxesse resultado a todos os públicos envolvidos em nossa cadeia de valor – do beneficiário ao cooperado, privilegiando a sustentabilidade do negócio.

O primeiro passo foi montar um comitê para mapear e analisar o cenário econômico e de saúde suplementar para, então, desenhar novas estratégias. Afinal, eu acredito que é com uma estrutura tecnológica de informação com possibilidade de extração e qualificação dos dados, que podemos subsidiar a alta gestão de qualquer empresa de saúde a tomar boas decisões e fazer frente aos desafios regionais e nacionais de todo o sistema de saúde oferecido, compreendendo uma governança clínica que analise a jornada do paciente na rede oferecendo uma experiência que não gere desperdícios, sem desconsiderar os fatores socioeconômicos.

Desafio em números

Num mundo que vive uma de suas piores pandemias (Covid-19), o déficit nas contas públicas brasileiras pode chegar a R$ 700 bilhões em 2020, o que, somado à forte queda do produto interno bruto (PIB) no mesmo período, deve fazer com que o endividamento público ultrapasse a marca de 90% do PIB. A projeção é do Tesouro Nacional.

Além disso, o desemprego no Brasil saltou para uma taxa recorde de 14,4% no trimestre encerrado em agosto. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Mensal (PNAD Contínua). É a maior taxa já registrada na série histórica da pesquisa, iniciada em 2012.

O que quero mostrar é que, se o país enfrenta dificuldades, de um modo geral, as empresas também e, hoje, elas são as principais contratantes de planos de saúde, refletindo, diretamente, na operação dos players do sistema de saúde suplementar, como o caso da operadora que trabalho.

Não apenas isso, cabe lembrar que a aplicação dos reajustes dos planos não acompanha seus custos, se mantendo sempre inferior à inflação média, além de efeitos sabidos, como: aumento da sinistralidade, aumento da redução de margem e um mercado em consolidação e isso impacta no setor. Em 2011, segundo a ANS, éramos 1015 operadoras de saúde com beneficiários ativos e em 2020 chegamos ao número de 711 operadoras. Algumas, inclusive, se transformando em prestadora no sistema Unimed – uma das principais em atividade no mundo, por exemplo.

As operadoras de saúde ainda enfrentam outro desafio de seu tempo, uma disputa entre um mercado regulado, como é o caso das operadoras, e um mercado não regulado, com o surgimento de clínicas populares, cartão de descontos, entre outros.

Decisão oportuna

Mas, nesse momento, o que precisamos é olhar as oportunidades para sobressair a isso. Nós sabemos que o 3º desejo do brasileiro é o de ter um plano de saúde, compreendendo todo o cenário do país e capacidade atual do sistema público de atender a todos, nós entendemos que era hora de mudar. Num mundo com tantas transformações, ouvindo outras lideranças do nosso Complexo e tendo em mãos informações que nos levaram a entender que não havia outro caminho possível, além da sustentabilidade de uma entrega de valor centrado no cuidado da jornada do paciente, tomamos a decisão de trilhar por uma atuação mais vertical, integral e resolutiva.

Em busca de sustentabilidade e eficiência

É então que passamos a revisar nosso planejamento estratégico, incluindo o Diagnosis Related Groups (DRG), metodologia que categoriza os pacientes internados segundo a complexidade assistencial, como idade, diagnóstico, comorbidades e procedimentos cirúrgicos.

Fizemos tudo isso, em plena pandemia, o que revela que, com gestão, é possível que você também, liderança em saúde, alcance resultados efetivos em sua operação.

Nossa alta gestão ficou no pilar dessa estrutura para apoiar o desenvolvimento das metas do modelo do nosso sistema remuneratório e assistencial, para gerar a sustentabilidade de nosso ecossistema. Dividimos também em quatro perspectivas:

1. A primeira estrutura chamamos de método: em que definimos uma equipe para formar um comitê do projeto de assistência baseada em valor que, diferente de outras operadoras no mercado, não contratamos codificadores mas reestruturamos processos de auditoria para esse fim, integramos informações para tomada de decisão rápida com apuração quinzenal dos resultados.

2. A segunda chamamos de reengenharia que, com apoio da Transforma Saúde, consultoria especializada nesse projeto, nos apoiou a sustentar a revisão de processos dos nossos recursos próprios e administrativos, incluindo equipe, linhas de cuidado, relacionamento, imagem, governança clínica, deixando claro que não gostaríamos de punir nossa rede credenciada ou cooperada mas, sim, gerar valor num canal direto de comunicação para dúvidas e alinhamentos.

3. A terceira, chamamos de clientes e mercado, em que observamos a experiência do cliente, com medicina de ponta e qualidade para alcançar bons resultados.

4. E a quarta, em que mitigamos custos assistenciais e desperdícios para a sustentabilidade do negócio, chamamos de perspectiva financeira.

Tecnologia e gestão na cooperativa

A eficiência de todo o trabalho só faz sentido se houver qualidade na informação, por isso, implantamos uma unidade de qualidade para verificar, rigorosamente, a nutrição de cada dado na ferramenta do DRG, sem usar de codificadores – que é um diferencial importante porque envolvemos três modelos concorrentes para assegurar essa eficiência.

Estratégia e valor

Atendendo a um mercado cada vez mais competitivo, seguindo a metodologia do DRG, passamos a desenhar um produto de baixo custo – inovador em nosso modelo de trabalho – para entrar em um share de mercado cada vez mais disputado pela concorrência e o surgimento de outros negócios, como é o caso dos não regulados e barganhar essa clientela.

Para essa implantação, nos debruçamos na resolução da gestão completa da jornada do paciente em nosso sistema de saúde, não para cerceá-lo do atendimento, mas para uma melhor experiência de cuidado. Investimos em tecnologia para unificar sua jornada na rede e diminuir custos, com foco na resolutividade e diminuição de desperdício; avaliação da expectativa de nossos contratantes; a desospitalização adequada e a medicina preventiva para atender esse público, para que, juntos, paciente, contratante, operadora, cooperado e toda a equipe, atinjam resultados satisfatórios com o plano de saúde.

Resultados na ponta do lápis

Minha maior satisfação é saber que, em seis meses, a operadora guarulhense que trabalho, registrou aproveitamento de 41% de todos os processos de melhoria mapeados pelo projeto DRG, 9% estão em andamento e o restante em estruturação para ser desenvolvido. O resultado revela um rápido aprendizado e uma gestão eficiente e qualificada para estruturar, em tão pouco tempo, máximo valor aos seus interessados em meio a pandemia do novo coronavírus. Os processos foram auditados pela Transforma Saúde, que verificou 201 oportunidades de melhorias tanto em nossa operadora, como em nosso recurso próprio. Com esse diagnóstico passamos a monitorar, rigorosamente, as áreas envolvidas para mitigar custos.

Arrumamos a casa e promovemos uma mudança de cultura. Por meio do Diagrama de Pareto, disponibilizado na ferramenta, observamos 1.285 altas codificadas, 5.025,3 permanências realizadas, 1.622,5 diárias preveníveis 416 admissões hospitalares perdidas em tão pouco tempo de projeto e vivendo um momento delicado com a pandemia. Financeiramente, no mesmo diagrama, observamos que os resultados financeiros nos dão um potencial de ganho de R$ 2.205.366,90, em uma meta econômica de R$220.536,69. Isso é gestão de uma ponta a outra na operação.

De olho no futuro

E ainda que o futuro pareça incerto com novo aumento de casos da Covid-19, temos a certeza de que estamos no caminho certo. Com gestão e eficiência nos processos, podemos sensibilizar todos os agentes do projeto e gerar valor – que o que importa para todos num sistema de saúde. Todos ganham com isso. Por isso, já no primeiro semestre de 2021, passaremos a oferecer uma remuneração diferenciada para prestadores e cooperados no plano de baixo custo, com o objetivo de sustentar essa operação, por meio de avaliação de indicadores.

Centralizar o cuidado na jornada do paciente, integrando, verticalizando e com isso promovendo uma gestão eficiente, sustentável e de valor para todos. Ou, como dizemos por aqui, É O PLANO.


*Rafaela Flamino é Gerente de Operações no Complexo Unimed Guarulhos. 

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