Perspectiva da Saúde no pós-Covid-19 e as transformações necessárias
Por Romeu Domingues
Se a pandemia não colocou todos nós na ‘mesma página’, pelo menos convergiu olhares e apreensões, especialmente do ponto de vista científico, em seu sentido mais amplo. O mundo hoje tenta compreender e encontrar soluções para os diversos desafios do novo contexto, que vão do micro ao macro. Do emprego de um indivíduo à economia de uma nação. De uma relação familiar ao comportamento de uma sociedade. De uma única vida às vidas de milhares.
Com certeza todos estão sentindo a complexidade do momento, sensibilizados pelas vidas perdidas e tentando contribuir como podem. No papel que me cabe, vou me ater ao setor de saúde. Essa crise é desafiadora para todo o segmento por inúmeras razões, mas, como em toda crise, os aprendizados e reflexões são acelerados pelas necessidades impostas pelo imprevisível. Vejo nesse momento uma oportunidade para catalisar transformações que há muito são discutidas e tidas como necessárias pelo mercado. Listei aqui algumas delas:
Transformação Digital: há uma brincadeira nas redes sociais dizendo que o fator que acelerou a transformação digital das empresas foi o coronavírus. De fato, o enfrentamento da Covid-19 mostrou a capacidade das tecnologias digitais como meios para o cuidado da saúde populacional (diagnóstico, vacinas e tratamentos) e como fontes de dados (epidemiológicos) para insights e melhoria da gestão de saúde. Recursos como aplicativos que monitoram os dados dos pacientes, chatbots, totens para autoatendimento, telemedicina, realidade virtual para procedimentos médicos, interoperabilidade dos dados e prontuário eletrônico único do paciente, entre outros; são realidade em instituições consideradas referências, mas há muito espaço ainda a ser conquistado. Outro desafio imposto por esta aceleração digital será a integração dos dados entre as esferas público e privada, para que estejam à disposição dos pacientes, em primeiro lugar, e a serviço de um sistema único de saúde, como é o nosso.
Prevenção e promoção à saúde: a Covid-19 teve um efeito de conscientização em massa sobre a importância da promoção e prevenção à saúde. Nunca se viu um engajamento tão amplo de mudança de hábito como o atual, em que grande parte da população passou de fato a lavar as mãos com frequência, a seguir o isolamento social e a usar máscaras para sair de casa. Acredito que essa mobilização pavimentou o caminho para que as pessoas, na condição de pacientes, tenham muito mais autonomia sobre sua saúde, consciência sobre seus hábitos e busquem participar cada vez mais das discussões do setor, como membros atuantes e transformadores que são.
Investimento em ciência: além da tecnologia, a importância da pesquisa científica e dos equipamentos e insumos necessários para que ela avance ganharam notoriedade. A população do planeta como um todo assistiu a problemática de concentrar a produção de itens essenciais para a saúde em poucos países. Sem dúvida, o Brasil vai ter que repensar a sua estratégia de produção e logística de ciência, tecnologia e inovação.
Recurso certo para cada momento do paciente: leitos e exames insuficientes, exposição dos profissionais de saúde, alta concentração de pessoas e longas filas de espera. Um retrato que demonstra os limites estruturais dos serviços de saúde e um apelo para que surjam modelos de atendimento mais integrados e especializados, pensados com a lógica do recurso certo para o paciente certo, no momento certo. Muitas soluções já estão surgindo e devem ser estimuladas, a exemplo dos serviços de gestão de saúde que acompanham os pacientes com alta hospitalar, garantindo a continuidade da assistência enquanto se recuperam fora do hospital.
Paciente no centro: por fim, gostaria de falar sobre confiança! Mas o que tem a ver confiança com o paciente no centro? Tudo. A rápida propagação do coronavírus colocou ainda mais o paciente no centro da saúde global, unindo os diferentes elos do setor (prestadores assistenciais, fontes pagadoras, indústrias, instituições e órgãos governamentais) pela urgência em atendê-lo. Torço para que isso seja forte o bastante para que a confiança entre nós seja fortalecida, não apenas em tempos difíceis, mas de uma vez por todas, criando uma cultura – não mais pautada por interesses divergentes, mas pelo comum: o paciente. E, assim, conseguiremos evoluir na construção de um sistema de saúde sustentável, capaz de levar acolhimento e qualidade para quem precisar.
É isso! Vamos juntos!
*Romeu Domingues é co-chairman da Dasa e da Ímpar. Fundador da CDPI.