Ultrassonografia 3D transforma destino de gêmeos craniópagos
A ultrassonografia é mais do que uma ferramenta diagnóstica; ela pode ser um instrumento de esperança, especialmente em casos que desafiam os limites da medicina. Recentemente, um caso extraordinário de gêmeos craniópagos (gêmeos unidos pelo crânio) trouxe à tona o impacto transformador da tecnologia 3D no primeiro trimestre da gestação. O relato, que será capa da renomada revista ISUOG (International Society of Ultrasound in Obstetrics and Gynecology), não é apenas sobre avanços tecnológicos, mas sobre como ciência e humanidade se encontram para mudar vidas.
Tudo começou com um casal do interior de São Paulo, cuja primeira gravidez foi marcada por desafios quase insuperáveis. Inicialmente, os pais receberem o diagnóstico de que seus bebês eram craniópagos, ou seja, apresentavam fusão cerebral. Pouco depois, foi constatado também o diagnóstico de uma grave malformação cardíaca em um deles. Diante de quadros tão complexos, em alguns países, a recomendação inicial dos especialistas poderia ser a interrupção da gestação. Essa decisão seria fundamentada tanto na literatura médica quanto na legislação local, dada as baixas chances de viabilidade de casos como esse. Mas o destino mudou com a utilização de uma ultrassonografia volumétrica 3D para reavaliar a situação.
Com apenas 13 semanas de gestação, a ultrassonografia 3D revelou algo surpreendente: a fusão cerebral dos fetos era menos extensa do que se imaginava. As imagens tridimensionais permitiram identificar planos de clivagem entre os cérebros, indicando que a separação seria tecnicamente possível sem grandes comprometimentos neurológicos. Essa descoberta mudou tudo. Não apenas deu aos médicos a confiança necessária para propor um caminho diferente, mas também ofereceu aos pais uma nova perspectiva — a possibilidade de salvar pelo menos um dos bebês.
Essa tecnologia avançada foi mais do que um recurso técnico; foi uma ponte entre o conhecimento médico e a esperança dos pais. A clareza das imagens tridimensionais ajudou a equipe médica a transmitir segurança, enquanto o laboratório de pesquisa, com suas ferramentas de pós-processamento, forneceu informações detalhadas que fundamentaram a decisão de continuar a gravidez. Foi um momento de coragem compartilhada entre médicos e pais, em que a ciência ofereceu possibilidades antes inimagináveis.
O acompanhamento ao longo da gestação foi igualmente minucioso. A partir da 27ª semana, exames de ressonância magnética complementaram as informações obtidas pela ultrassonografia. As imagens foram utilizadas em reuniões realizadas em ambiente de metaverso, onde equipes médicas do Brasil e da Inglaterra simularam a cirurgia de separação em tempo real. Esse treinamento virtual pré-operatório foi essencial para preparar a equipe cirúrgica, garantindo maior precisão e agilidade durante o procedimento.
Os bebês nasceram prematuramente, com 33 semanas de gestação, mas a equipe conseguiu estabilizar o bebê com malformação cardíaca por tempo suficiente para realizar a cirurgia de separação em um único estágio. O procedimento foi bem-sucedido, priorizando a preservação do cérebro, meninges e estruturas ósseas do bebê com maior chance de sobrevivência. Mais de um ano após a cirurgia, o bebê sobrevivente apresenta desenvolvimento normal para sua idade, surpreendendo até mesmo os médicos. Ele já caminha, brinca e vive como qualquer outra criança de sua idade; um desfecho que parecia impossível meses antes.
Este caso não é apenas um exemplo de como os avanços na ultrassonografia podem transformar a prática médica, mas também um testemunho do poder da tecnologia aliada à empatia e ao trabalho colaborativo. A ultrassonografia 3D no primeiro trimestre desempenhou um papel central, permitindo decisões mais assertivas e fundamentadas, desafiando paradigmas estabelecidos e ampliando as possibilidades de tratamento.
A situação celebra não apenas o sucesso clínico, mas também a capacidade da medicina de evoluir e se adaptar. Mais do que isso, é uma prova de que a inovação tecnológica não é apenas sobre máquinas e algoritmos, mas sobre pessoas — médicos, pesquisadores, pacientes e famílias — que se unem para transformar o impossível em realidade. Esta é, acima de tudo, uma história de esperança, coragem e vida.
*Heron Werner Junior é Coordenador do Laboratório de Biodesign Dasa/PUC-Rio .
