Protonterapia: tratamento pode revolucionar a oncologia no Brasil
Por Paulo Coelho
Imagine um tratamento contra o câncer que atinge o tumor com extrema precisão, reduzindo drasticamente os danos aos tecidos saudáveis e os efeitos colaterais. Essa tecnologia já existe e vem transformando a oncologia em países como Estados Unidos, Espanha e Argentina. Trata-se da protonterapia, um método avançado de radioterapia que utiliza prótons para destruir células cancerígenas de forma controlada e eficiente.
Apesar de sua eficácia comprovada, o Brasil ainda não possui um único centro de protonterapia em operação. Enquanto países ao redor do mundo investem nessa modalidade, pacientes brasileiros precisam viajar ao exterior – muitas vezes a um custo inacessível – para receber esse tratamento. O que impede o avanço dessa tecnologia no país? Quais os desafios e as perspectivas para sua implementação?
Como a protonterapia funciona?
A protonterapia é uma modalidade sofisticada de radioterapia baseada na utilização de feixes de prótons acelerados por ciclotrons ou síncrotrons, equipamentos de grande porte que exigem infraestrutura especializada. Diferentemente da radioterapia convencional com raios X, os prótons têm a capacidade singular de liberar energia precisamente no tumor, graças ao efeito conhecido como pico de Bragg. Esse fenômeno permite uma entrega precisa da dose terapêutica, minimizando a exposição dos tecidos saudáveis adjacentes à radiação.
Clinicamente, essa característica reduz bastante os efeitos colaterais típicos da radioterapia tradicional, especialmente benéfica em tumores pediátricos, tumores próximos a órgãos sensíveis e casos que requerem reirradiação [a repetição do tratamento de radiação na mesma área do corpo]. A protonterapia possibilita, assim, uma qualidade de vida muito superior para os pacientes durante e após o tratamento, ampliando a possibilidade de cura em casos anteriormente considerados difíceis ou impossíveis de serem tratados com segurança.
A adoção da protonterapia no mundo: EUA, Espanha e Argentina
Nos Estados Unidos, pioneiro global na adoção dessa tecnologia, existem atualmente mais de 40 centros em operação. Instituições renomadas como o Massachusetts General Hospital e a Universidade da Pensilvânia investiram cerca de US$ 50 milhões por instalação, financiadas por parcerias público-privadas e investimentos institucionais. Lá, o tratamento com prótons é amplamente coberto para tumores pediátricos e casos clínicos complexos pelo sistema público Medicare e por seguros privados selecionados.
A Espanha seguiu um caminho estratégico de expansão rápida: recentemente adquiriu dez novos centros públicos de protonterapia financiados parcialmente por filantropia. Essa abordagem garante ampla acessibilidade pelo sistema público, especialmente para pacientes pediátricos e casos de alta complexidade, fortalecendo a oncologia espanhola e a tornando referência europeia.
Na América Latina, a Argentina assumiu a liderança ao construir o primeiro centro de protonterapia na região. O projeto, denominado Centro Argentino de Protonterapia (CeArP), é fruto de uma colaboração entre a Comissão Nacional de Energia Atômica (CNEA) e a Universidade de Buenos Aires (UBA) por meio do Instituto de Oncología Ángel Roffo, com forte apoio governamental. Anunciado em 2015 como parte do Plano Nacional de Medicina Nuclear, o centro está na reta final e estará operacional em junho de 2025.
Trata-se de um investimento público de alto impacto, vinculado ao sistema de saúde nacional. Para garantir a acessibilidade e sustentabilidade, foi criada em 2023 a Fundação CeArP, responsável por definir critérios clínicos e protocolos de indicação: a primeira missão da fundação é elaborar um documento de consenso médico nacional listando os tipos de câncer que serão tratados inicialmente com prótons, servindo de base para inclusão desses procedimentos no seguro de saúde público argentino.
O impacto esperado na oncologia argentina é significativo – estima-se que o centro será capaz de realizar cerca de 800 atendimentos ao ano. Além disso, o CeArP vai abrigar o Laboratório Argentino de Investigação e Desenvolvimento em Protonterapia, atuando como centro de pesquisas biológicas e de materiais e também na formação de especialistas.
E no Brasil?
Apesar da comprovada eficácia e expansão global, o Brasil ainda enfrenta desafios significativos para implementar a protonterapia. O custo inicial elevado – estimado entre US$ 50 e US$ 60 milhões por instalação – somado à complexidade tecnológica e logística necessária são os principais entraves mencionados pelos gestores da saúde, já que é necessário construir um edifício de alta complexidade, o qual em geral leva ao menos três anos para ser concluído.
No entanto, discussões recentes entre especialistas sugerem caminhos viáveis, como parcerias público-privadas com reembolso garantido pelo SUS e convênios, priorizando grupos específicos de pacientes com maior benefício comprovado, como crianças e casos complexos. Um exemplo é o projeto da Unicamp em parceria com o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), que propõe um centro integrado de protonterapia e medicina nuclear em São Paulo, sinalizando um avanço concreto rumo à adoção da tecnologia.
Outra iniciativa está sendo desenvolvida pela Fundação Educacional Severino Sombra (FUSVE) com o apoio do Instituto Nacional do Câncer (INCA) e do Centro de Protons da Quirónsalud em Madrid, referência mundial e europeia. A FUSVE e a prefeitura da cidade de Maricá (RJ) – firmaram uma parceria estratégica com o objetivo de implementar o primeiro centro de protonterapia do Brasil em Maricá, tornando a tecnologia acessível pelo SUS, beneficiando especialmente pacientes carentes. O projeto prevê que a prefeitura do município seja a responsável pela construção das instalações físicas, e a FUSVE pela aquisição, instalação e operação.
Em se tratando do SUS, inclusive, a nova terapia pode reduzir os custos futuros do tratamento de câncer, principalmente no que tange à minimização dos efeitos colaterais em relação à radioterapia tradicional. Especialmente em casos pediátricos, onde os danos colaterais têm grande impacto ao longo da vida, a protonterapia previne sequelas físicas, cognitivas e reduz o risco de novos tumores causados pela exposição à radiação. Outras vantagens da protonterapia é que um único centro de tratamento pode beneficiar de 300 a 400 pacientes por ano e um equipamento pode ter até 30 anos de vida útil.
Além disso, a redução de complicações diminui os custos indiretos, como tratamentos de suporte, reabilitação e afastamento do trabalho de pacientes ou cuidadores. A eficácia aumentada da protonterapia também contribui para melhores taxas de cura, diminuindo a demanda por terapias adicionais ou mais agressivas no futuro. A experiência internacional, como nos EUA e na Europa, comprova que o alto investimento inicial dessa tecnologia é compensado pela economia obtida em longo prazo, resultando em um impacto financeiro positivo e melhorias significativas na qualidade de vida dos pacientes atendidos pelo SUS.
*Paulo Coelho é Head de Nuclear da Tractebel América do Sul.