O impacto da violência contra os profissionais de saúde

Por Roberto Heloani

O assédio moral e as discriminações no ambiente de trabalho são problemas recorrentes que afetam, em grande parte, as condições de trabalho e o bem-estar dos profissionais, especialmente no setor da saúde. Embora frequentemente abordados em relação ao comportamento dos usuários, esses problemas se intensificam dentro das próprias instituições, principalmente nos sistemas público e privado de saúde, que possuem altos índices de violência no trabalho. Estima-se que cerca de 85% dos trabalhadores da saúde, especialmente enfermeiras(os) e técnicos de enfermagem, enfrentem formas de assédio moral. Essas situações afetam profundamente esses profissionais, gerando estresse, ansiedade e até afastamentos, ao prejudicar a saúde mental e emocional. Como resultado, o atendimento também pode ser comprometido, já que profissionais sobrecarregados e desmotivados têm menos capacidade de oferecer cuidados de qualidade, além de afetar a relação de confiança com os pacientes.

Diante disso, é essencial discutir as múltiplas formas de violência no trabalho e propor soluções que promovam ambientes mais seguros e respeitosos para todos os trabalhadores da saúde.

A violência no trabalho não se limita a agressões físicas, mas inclui uma série de comportamentos que comprometem a saúde mental e emocional dos profissionais de saúde. O assédio moral, por exemplo, é uma prática constante, onde os trabalhadores são alvo de humilhações, desqualificação e abusos psicológicos, levando à diminuição da autoestima, aumento do estresse e até afastamentos do trabalho. Já o assédio sexual e a discriminação, seja por questões de gênero, raça ou orientação sexual, agravam ainda mais esse cenário, gerando um ciclo de violência difícil de romper. A omissão ou ignorância das instituições, aliada à falta de políticas eficazes para a prevenção e tratamento desses problemas, perpetua o ciclo de violência.

Para enfrentar e mitigar os casos de assédio e discriminação nas instituições de saúde, é fundamental que se adote uma série de medidas práticas. Primeiramente, a criação de um compromisso institucional entre empregadores, chefias e trabalhadores é essencial. Um pacto ético que promova um ambiente livre de discriminação e violência deve ser formalizado, com políticas claras de prevenção e tratamento dos casos. A transparência nos fluxos de denúncia, a capacitação dos gestores e a garantia de confidencialidade são fundamentais para criar um ambiente seguro para que as vítimas se sintam amparadas ao reportar abusos.

A atuação governamental, especialmente por meio do Ministério Público do Trabalho, é fundamental na promoção da igualdade de oportunidades no ambiente laboral. A Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (COORDIGUALDADE) tem se destacado nesse campo, com a missão de combater práticas discriminatórias e garantir a inclusão de minorias no mercado de trabalho, como negros, mulheres, pessoas com deficiência, indígenas e LGBTs. Além disso, o Ministério Público do Trabalho tem papel importante na fiscalização das condições de trabalho, garantindo que as normas sejam cumpridas e que as empresas adotem práticas inclusivas. Isso se traduz não apenas em políticas de contratação, mas também em garantir que os direitos dos trabalhadores sejam respeitados e que haja um ambiente livre de violência, assédio e discriminação.

Em julho de 2024, foi instituído o decreto nº 12.122, que institui o Programa Federal de Prevenção e Enfrentamento do Assédio e da Discriminação, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. O objetivo é enfrentar todas as formas de violências decorrentes das relações de trabalho, por meio, por exemplo, de ações coordenadas de prevenção do assédio e da discriminação, por intermédio de estratégias educativas que abordem a formação e a sensibilização de agentes públicos, além de gestão humanizada nos espaços institucionais, físicos ou virtuais.

Outra ação do governo que reforça essa questão foi o lançamento, em dezembro, da versão atualizada do Guia Lilás pela Controladoria-Geral da União (CGU). A iniciativa busca promover o aperfeiçoamento dos processos de tratamento de manifestações relacionadas a assédio e discriminação, bem como contribui com o desenvolvimento de uma cultura institucional mais consciente dos problemas advindos de tais condutas.

Análises recentes, como o relatório do projeto Diálogo sobre Políticas para Resiliência e Bem-Estar dos Profissionais de Saúde, produzido pelo Synergos Brasil em parceria com a FGVsaúde e com apoio da J&J Foundation, destacam a importância de adotar políticas integradas para promover o bem-estar e a resiliência dos profissionais de saúde. Além das melhorias nas condições de trabalho, é fundamental criar um ambiente de apoio psicológico e físico, capaz de prevenir e combater os efeitos da violência e do assédio no setor.

É urgente que as instituições de saúde, tanto públicas quanto privadas, adotem uma postura mais firme e proativa no combate à violência e discriminação no ambiente de trabalho. Além de promover um pacto ético, é necessário implementar políticas de prevenção robustas e garantir que todos os profissionais sejam tratados com respeito e dignidade. O envolvimento de governos, organizações e trabalhadores é essencial para criar um ambiente seguro, inclusivo e igualitário. Só assim será possível garantir a saúde e o bem-estar dos profissionais da saúde, assegurando, ao mesmo tempo, a qualidade do atendimento prestado à população.


*Roberto Heloani é Professor Titular e pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, na área de Gestão, Saúde e Subjetividade e Doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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