O que a Covid-19 nos ensinou sobre o valor do diagnóstico
Por Carlos Martins
O marco de três anos da pandemia de Covid-19, que ainda permanece como emergência de saúde pública de importância internacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS), nos convida a refletir sobre o valor da medicina diagnóstica para a qualidade de vida de todos nós. Antes da criação da vacina contra o novo coronavírus, em meio a tantas incertezas sobre como agir frente a esse patógeno desconhecido, testar o maior número possível de pessoas com sintomas, isolar os infectados e testar seus contactantes foi a estratégia número um para salvar vidas, evitar complicações e a disseminação da doença.
Para ajudar a conter o número de vítimas, a pandemia acelerou os investimentos em pesquisa e desenvolvimento de soluções de diagnóstico in vitro. Neste cenário, vimos o termo RT-PCR (do inglês “polimerase chain reaction” ou reação em cadeia da polimerase) se popularizar e se tornar padrão-ouro de qualidade e confirmação dos resultados positivos. Na Roche, empresa que foi a primeira a lançar o teste RT-PCR para Covid-19, a produção de equipamentos e reagentes aumentou 15 vezes em apenas um ano (2020/21) e o mercado brasileiro recebeu mais de 20 soluções para diagnóstico da doença, entre testes rápidos e laboratoriais de PCR, antígeno e de anticorpos. Tudo isso dentro de uma lógica de ampliar o acesso para alcançar o maior número de pessoas possível a um preço único no mundo todo. Naquele momento, o diagnóstico era a nossa prevenção. Quando não existe uma profilaxia, ele é essencial. Muito mais do que o primeiro passo.
Em um dos momentos mais drásticos da humanidade, foi fundamental adotar novas estratégias para entregar valor médico dentro do laboratório, apoiar uma rápida decisão clínica com a introdução de algoritmos e inteligência artificial e atuar ainda mais efetivamente na jornada completa do paciente. A mobilização de inúmeros atores na busca de soluções para a pandemia abriu horizontes e trouxe à tona a robustez da inovação na saúde, com a expansão da medicina diagnóstica, das vacinas e de medicamentos e protocolos de atendimento, para citar apenas alguns exemplos. A humanidade se conectou para canalizar investimentos para o que era necessário e urgente.
Felizmente, como resultados de todas essas medidas, já não vivemos aquele cenário de chocantes números de mortes, internações e sofrimento. As máscaras passam a ser opcionais. No entanto, uma das perguntas que ficam é de que os aprendizados e conquistas podem ser preservados, sem retrocessos, para pavimentar novos caminhos. Nós, que atuamos diretamente com a saúde da população, temos uma obrigação gigantesca de fazer hoje o que a humanidade precisará amanhã. Tudo o que vivemos nesses três anos representa um compromisso inadiável com as gerações futuras.
Na área da medicina diagnóstica, existem oportunidades incríveis de impactar positivamente a qualidade de vida das pessoas e a sustentabilidade dos sistemas de saúde, responsável por populações cada vez mais longevas. Não se trata somente da descoberta de doenças, mas de mapear perfil de saúde que podem ser trabalhados para evitá-las, minimizá-las e gerenciá-las.
Apesar deste enorme potencial, no Brasil, a área recebe apenas 0,5% dos investimentos totais em saúde, mesmo com o diagnóstico in vitro impactando 70% das decisões clínicas. Sem um diagnóstico preciso não há prevenção nem tratamento adequado, o que gera uma grande frustração em todos os envolvidos nesse processo: médicos, profissionais da saúde e, principalmente, nos pacientes.
O mundo pós-pandemia precisa de quebras de paradigmas e de acesso às inovações da ciência em todos os campos. No diagnóstico in vitro, almejamos que deixe de ser algo distante e técnico – ou que é lembrado apenas em situações graves ou emergenciais – e passe a ter seu valor reconhecido na saúde e na sociedade. Aliás, sobre o teste RT-PCR que citei no início desse artigo – você sabia que já existe no Brasil um exame desse tipo para diagnosticar câncer de colo do útero, o único tipo de câncer que pode ser totalmente evitado? Ele pode substituir o Papanicolau e antecipar, em anos, o diagnóstico da doença. E você sabia que também há um teste que pode antecipar em quinze anos o diagnóstico da Doença de Alzheimer? É esse tipo de discussão que precisamos ter mais. Os atuais e futuros pacientes merecem nada menos do que isso.
*Carlos Martins é presidente da Roche Diagnóstica no Brasil.