Vacinação e os impactos nos Contratos de Trabalho
Após a aprovação da ANVISA para utilização das vacinas contra o novo coronavírus no Brasil algumas discussões emergiram à respeito do poder dos empregadores para obrigar seus empregados a se vacinarem.
Existe a possibilidade do empregador determinar a vacinação dos empregados contra o coronavírus sob o argumento da sua responsabilidade em manter o ambiente de trabalho saudável e seguro, com base na Constituição da República, em seu artigo 7º, inciso XXII, que fixa como direito dos trabalhadores a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Desse direito subjetivo do trabalhador nasce o consequente dever do empregador de garantir um ambiente de trabalho saudável e seguro.
Embora possamos passar horas tecendo comentários sobre as teorias de responsabilidade objetiva e subjetiva do empregador por danos causados à saúde do empregado no ambiente laboral, vamos nos ater à Constituição Federal, que prevê expressamente a obrigação do empregador em indenizar seu empregado por acidente do trabalho, quando incorrer em dolo ou culpa (inciso XXVII do artigo 7º da Constituição Federal). Como a Lei 8.213/91 equipara a doença do trabalho ao acidente do trabalho, a responsabilidade do empregador é legalmente inequívoca.
Para ter um controle melhor do ambiente de trabalho e seus riscos o item 7.1.1 da NR 7 da Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia, “estabelece diretrizes e requisitos para o desenvolvimento do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional — PCMSO nas organizações, com o objetivo de proteger e preservar a saúde de seus empregados em relação aos riscos ocupacionais, conforme avaliação de riscos do Programa de Gerenciamento de Risco – PGR da organização”. Ao utilizarem o PCMSO para avaliar o risco ocupacional a que seus empregados estão submetidos, podem analisar, inclusive, o risco de contrair o coronavírus.
É importante considerar que o empregador não tem a obrigação de reconhecer o coronavírus como risco ocupacional, mas, caso o faça, não só pode como tem o dever de adotar todas as medidas para preservar a saúde de seus empregados, inclusive, em tese, exigir a vacinação, assim como exigir o uso de máscaras faciais protetivas, lavagem constante das mãos e álcool em gel, caso entenda adequado.
Além disso, a vacinação pode ser considerada como de interesse coletivo, o que justificaria, em tese, até a dispensa por justa causa do empregado que se recusa a vacinar imotivadamente. Isso porque o empregado não vacinado poderia colocar em risco a saúde dos demais trabalhadores e, portanto, seria mais que um direito, seria um dever do empregador o afastamento daquele indivíduo para preservar o ambiente de trabalho e a saúde dos demais empregados, fazendo com que a liberdade individual não prevaleça sobre o interesse coletivo.
Entretanto, a complexidade do tema exige uma análise mais aprofundada à luz dos princípios Constitucionais, nos levando a raciocinar sobre até que ponto o poder diretivo do empregador poderia se sobrepor ao princípio da legalidade, expresso em seu artigo 5o, inciso II, segundo o qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei, nos levando à inevitável conclusão de que a inexistência de norma legal que determine uma conduta contrária à vontade do cidadão não pode levar um ator privado — o empregador — a criar tal determinação.
Apesar do argumento da preservação da saúde da coletividade, a solução é muito mais simples: enquanto não houver lei prevendo como requisito para manutenção ou admissão no emprego a vacinação contra o coronavírus, é inviável a iniciativa do empregador de romper o vínculo, com ou sem justa causa. Com justa causa não seria possível, pois não haveria falta grave do empregado (que deveria se encaixar às situações previstas no art. 482 da CLT); sem justa causa não seria praticável, pois a dispensa poderia ser considerada discriminatória e, portanto, abusiva.
Por outro lado, qualquer regra jurídica com restrição ao emprego deve ser criada unicamente pela União, em virtude da competência exclusiva em legislar sobre Direito do Trabalho, nos termos do artigo 22, I, da Constituição Federal. Logo, ainda que Estados e Municípios criem regras em suas esferas de competência para a vacinação da população, não poderá o empregador basear-se em tais normas para justificar eventual dispensa de empregado que não se imunizar.
No caso das obrigações de utilização de máscara de proteção facial e álcool em gel, se previstas no PCMSO da empresa, por ter identificado o risco de contágio ao Coronavírus no ambiente de trabalho, e por serem equiparados a equipamentos de proteção individual, o empregador tem a prerrogativa de determinar o uso e fiscalizar, podendo inclusive advertir, suspender e até demitir por justa causa os empregados que adotarem conduta de, reiteradamente, se recusarem a utilizar.
*Rebeca Cardenas Bacchini é advogada, especialista em Direito e Processo do Trabalho, atua como Senior Legal Counsel.