Vacina contra câncer de próstata, pulmão e ovário começa a ser testada
Com o objetivo de avançar nos tratamentos de diversos tipos de câncer, pesquisadores britânicos iniciaram os testes da vacina OVM-200, criada pela Oxford Vacmedix – empresa desenvolvida por cientistas da Universidade de Oxford, no Reino Unido. O imunizante está sendo testado em pacientes com câncer de próstata, pulmão e ovário.
Apenas no Brasil, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA), somando as três neoplasias, é esperado que se tenha 90,2 mil casos diagnosticados em 2022. Através da nova alternativa de tratamento que vem sendo estudada, seria possível direcionar o sistema imunológico do paciente a reconhecer uma proteína, chamada de survivina, que se encontra em altas concentrações na superfície da célula cancerosa. Em grandes quantidades, a survivina, além de desregular a célula cancerosa, funciona também como um inibidor do sistema imunológico.
Testada pela primeira vez em pessoas, a vacina contém a forma sintética da survivina, capaz de estimular respostas do sistema imunológico. O estudo está sendo realizado em 35 pacientes com câncer no University College Hospital, em Londres, e em outros quatro centros de pesquisa no Reino Unido.
“De modo geral, nosso sistema imunológico é ‘programado’ para destruir pequenos cânceres quando começam a se desenvolver. No entanto, as células cancerosas podem contornar a situação e permitir que a doença se espalhe, criando estratégias para evitar serem atacadas pelo organismo. Uma dessas táticas é a produção da survivina – proteína capaz de ajudar o câncer a se esconder do sistema imunológico”, explica Bernardo Garicochea, oncologista do Grupo Oncoclínicas.
No organismo, a survivina combate a morte celular programada, aumenta a taxa de divisão da célula e também fica na superfície dela, impedindo que o sistema imunológico ataque a célula. “A survivina existe em todas as células humanas. Nas do câncer, é produzido mais survivina do que as normais, pois elas não querem morrer de jeito nenhum, querem viver o máximo que podem e se dividir o mais rápido possível”, destaca o médico.
Além disso, Bernardo Garicochea comenta que, na vacina, os cientistas criaram uma proteína bastante semelhante à survivina. “Essa proteína é injetada no paciente e, justamente por ser apenas levemente diferente, o organismo começa a produzir anticorpos contra a survivina. Com isso, ela passa a atacar, por efeito colateral, a proteína que está nas células do câncer em grande quantidade. Já nas células normais, por apresentarem uma baixa quantidade de survivina, o sistema imunológico não se mostra interessado em destruí-las. Com isso, essa inibição que a survivina estava provocando vai começar a desaparecer e o sistema imunológico vai tirar o ‘freio de mão’ que estava puxado e passar a atacar as células do câncer”.
Para o especialista, os avanços trazem esperança para o tratamento de diversos pacientes ao redor do mundo. “Apesar de ainda ser cedo para afirmar os resultados dessa vacina, esse é um momento de muito otimismo na ciência. Acredito que em um futuro não tão longe ela possa ajudar milhares de pessoas”, comenta.
Como a vacina funciona?
Durante a fase de testes, os voluntários irão receber três doses da vacina, com duas semanas de intervalo. Em seguida, serão monitorados por seis meses, checando alterações em seu câncer e também efeitos colaterais do medicamento. Vale lembrar que apesar de focar apenas nos três tipos de câncer (próstata, pulmão e ovário), é esperado que a vacina seja eficaz contra as demais neoplasias.
Apesar do termo “vacina”, a droga em estudo tem o objetivo de ajudar o sistema imunológico de quem já tem o diagnóstico da doença a ganhar mais força para combater o inimigo – neste caso, o câncer. Um dos grandes desafios da oncologia é conseguir criar medicações que combatam as neoplasias. Geralmente, as drogas usadas são capazes de atuar nas células cancerígenas, mas, por outro lado, também causam efeitos colaterais.
“Embora o sistema imune possa prevenir ou desacelerar o crescimento do câncer, as células cancerígenas sempre dão um jeitinho de driblá-lo e evitar que sejam destruídas. Assim, o papel dessa nova geração de terapias avançadas, que têm surgido nos últimos anos para ampliar o leque de alternativas de tratamento no combate ao câncer, é justamente ajudar os ‘soldados’ de defesa do organismo a agir com mais recursos contra o câncer, produzindo uma espécie de estímulo para que o corpo consiga identificar as células cancerígenas com mais facilidade – e assim ele seja capaz de combater a doença. Ou seja, o estímulo que essa vacina gera faz com que o sistema imunológico volte a reconhecer o tumor como um agente externo, promovendo assim uma resposta extremamente específica, e, consequentemente, de elevada eficácia”, comenta o oncologista da Oncoclínicas.
Novas frentes no combate ao câncer
Felizmente, as novas medicações têm avançado no combate ao câncer, pois quanto mais se conhece sobre a doença, mais se sabe que as células cancerosas, ou câncer humano, dependem basicamente que certos sistemas do organismo funcionem adequadamente.
“O que aprendemos é que esses sistemas – que são as proteínas que se ativam umas com as outras e levam um efeito final na célula – são redundantes. Isso significa que, às vezes, uma conversa com a outra. Então, imagine que a célula está vivendo um momento muito ruim na vida dela, porque a quantidade de oxigênio no meio não está boa. Ela precisa começar, em primeiro lugar, a economizar oxigênio, em segundo lugar evitar a formação de radicais livres, até que se comece a diminuir o metabolismo. Essa célula vai receber o sinal, que vem do meio ambiente, dizendo que tem pouco oxigênio e vai ativar uma série de proteínas, que vão seguir em cascata, até darem um sinal para o núcleo da célula, diminuindo a atividade metabólica”, diz Bernardo Garicochea.
De modo geral, uma proteína pode ser usada tanto para um caminho, como para outro. Ou seja, a célula espertamente se utiliza de uma mesma proteína para várias coisas, conseguindo ser condutora de diversos efeitos. “É removido um material do tumor para o estudo do DNA das células ou delas propriamente ditas. Com isso, conseguimos definir o que há de errado na célula cancerosa e é possível bloquear o problema através dos medicamentos que estão surgindo”, explica.
Quanto aos benefícios dos novos tratamentos, o oncologista comenta os principais pontos. “A toxicidade do tratamento é muito menor do que quando se usa quimioterapia ou radioterapia. Além disso, vale destacar também o aprendizado em se descobrir coisas novas, como os fatores de funcionamento das vias de sobrevivência da célula e entendimento do sistema imunológico. Isso vai fazer com que comecemos a tratar os distúrbios metabólicos das células. É esse o futuro que nos espera”.
Dose de esperança
Apesar dos avanços promissores, o especialista explica que ainda é cedo para afirmar que a nova descoberta seria a chave para a cura do câncer ou que seja aplicável a todos os casos. De toda forma, os passos já trilhados são observados com otimismo e lançam boas perspectivas para tratamentos de cânceres metastáticos e que não respondem às medicações convencionalmente indicadas, tais como quimioterápicos e drogas alvo-moleculares.
“Passamos a encontrar caminhos para aqueles casos em que não haviam respostas para outros tratamentos disponíveis no momento. Isso abre novas portas. Essas respostas têm se mostrado promissoras no que seria efetivo para vencer o câncer”, finaliza Bernardo Garicochea.