Situação emergencial pode justificar liberação de vacina sem aval da Anvisa
O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), anunciou que entrou com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) pedindo a liberação da compra de vacinas contra a Covid-19 que ainda não foram aprovadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), mas que tenham autorização de agências sanitárias internacionais. Ele não explicou se pediu também permissão para a aplicação dos imunizantes.
Também nesta terça, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou em reunião virtual com governadores que a Anvisa deve demorar 60 dias para certificar qualquer vacina contra a doença. Advogados se dividem sobre o tema. Se a gravidade da situação exige medidas excepcionais, a decisão também pode trazer consequências negativas para o sistema de saúde.
“Essa ação poderá abrir um precedente temerário para obtenção de qualquer medicamento, inclusive de alto custo, sendo ainda contrária à parte da jurisprudência do STF que define que somente os medicamentos constantes do rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), ainda que apenas exemplificativos, podem ser pleiteados, via judicialização, ao setor público ou privado”, afirma Fernanda Zucare, especialista em Direito de Saúde e sócia do Zucare Advogados Associados.
A advogada também questiona a capacidade financeira dos Estados. “Os Estados não teriam estrutura financeira para atender essa demanda de medicamentos, inclusive aqueles de alto custo. Dessa forma, quem arcaria com essa despesa? Vale ressaltar que já temos um sistema de saúde extremamente carente”, destaca.
Saulo Stefanone Alle, do Peixoto & Cury Advogados, entende que a excepcionalidade da situação justifica medidas excepcionais previstas em lei.
“A própria lei federal que trata das medidas para enfrentamento da pandemia prevê autorização excepcional para a importação e distribuição de quaisquer materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área de saúde sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa, e que sejam considerados essenciais para auxiliar no combate à pandemia do coronavírus. A condição é que o medicamento ou insumo esteja registrado em uma das seguintes agências: americana (FDA), europeia (EMA), japonesa (PMDA) ou chinesa (NMPA)”, explica Saulo.
A opinião é compartilhada por Raphael Sodré Cittadino, sócio fundador do Cittadino, Campos & Antonioli Advogados Associados e presidente do Instituto de Estudos Legislativos e Políticas Públicas (IELP). “A Lei 14.006, aprovada em 28 de maio deste ano, já prevê que a Anvisa possui 72h para responder a pedido de autorização emergencial de medicamento previamente aprovado pelas autoridades sanitárias dos EUA, União Europeia, China e Japão, e caso não se manifeste, considera-se aprovado o pedido”, diz.
Um projeto de lei, que autoriza estados e municípios a importarem, mesmo sem autorização do Ministério da Saúde, vacinas contra a Covid-19, tramita atualmente na Câmara dos Deputados. Segundo o PL 5413/20, cada cidade ou unidade da Federação definiria sua própria estratégia de imunização.
Marcus Vinicius Macedo Pessanha, advogado do escritório Nelson Wilians Advogados, especialista em Direito Público Administrativo e Regulatório, ressalta que mais uma vez o STF é chamado a exercer seu papel de Corte Constitucional e política em matérias de grande relevância pública, como as ligadas ao combate à pandemia. “E é importante que seja assim, pois o juízo técnico-jurídico utilizado pela Suprema Corte traz equilíbrio e razoabilidade para um debate inflamado e permeado por entendimentos nem sempre alinhados com as evidências científicas e a preservação da saúde pública”, comenta.
O advogado constitucionalista Adib Abdouni entende ser remota a chance de êxito da medida proposta pelo estado do Maranhão. “O deferimento judicial iria depender, uma vez presente inequívoca demonstração das evidências científicas de eficácia e segurança do imunizante estrangeiro pendente de registro, da constatação do atraso injustificável da Anvisa, a revelar, a partir daí, a incapacidade do governo federal quanto à implementação de um plano nacional de vacinação, haja vista que a supressão de vontade ou a superação da inércia da agência reguladora – pelo Poder Judiciário – assumiria um caráter absolutamente excepcional, cujo cenário atual parece desautorizar.”