Tuberculose tem prevalência maior do que esperada em crianças brasileiras
O Brasil é um dos países com maior ocorrência de tuberculose no mundo. Apesar disso, ela ainda é subdiagnosticada, o que é ainda mais preocupante no caso de pacientes pediátricos, que têm mais chances de desenvolver a doença. E os dados parciais de um estudo do Ministério da Saúde, liderado pelo Hospital Moinhos de Vento, por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), mostram que a prevalência da enfermidade é maior do que a esperada nas crianças do país.
Os números do projeto TB Ped, que avalia a prevalência de tuberculose em crianças de seis meses a 15 anos incompletos no país, foram divulgados em dezembro. Em pacientes hospitalizados com infecção do trato respiratório inferior, os primeiros dados mostram um índice 50% maior do que o esperado dos menores com tuberculose ativa — ou seja, manifestando sintomas.
“É um dado muito importante. Esse estudo mostra, de maneira inédita no país, o impacto da tuberculose pediátrica, que é maior do que imaginávamos, principalmente numa população mais vulnerável. Estamos vendo também um número maior do que o esperado de crianças com potencial de adoecer lá na frente”, ressalta Marcelo Scotta, pesquisador convidado do projeto.
Iniciado em 2021, o estudo envolve 22 centros de pesquisa em nove estados do país. O recrutamento dos pacientes, que incluem, além de jovens hospitalizados, pacientes ambulatoriais com suspeita de tuberculose, prosseguirá até 2025, com a previsão de contar com mais de 1.800 participantes.
Além de avaliar a prevalência da doença, causada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis (bacilo de Koch), o trabalho também tem como objetivos verificar a acurácia dos testes disponíveis para o diagnóstico, bem como a segurança do uso do escarro induzido para coleta de amostra na população pediátrica.
“Queremos promover uma mudança de padrão, pois, mesmo os profissionais da saúde, quando atendem uma criança hospitalizada com infecção respiratória, muitas vezes não pensam em tuberculose”, diz Márcia Bonatto, líder operacional do projeto.
Busca de contatos
Em paralelo ao TB Ped, está em andamento o estudo GXT, também conduzido pelo Hospital Moinhos de Vento. O objetivo é comparar diferentes estratégias de investigação de contatos de pacientes com tuberculose ativa, buscando identificar qual destas resultará na ampliação para tratamento de tuberculose ativa e latente. Entre as diferentes estratégias, são realizados rastreio de sintomas, prova tuberculínica e raio-X do tórax. Atualmente, a pesquisa conta com a participação de centros recrutadores em quatro estados do país.
O estudo inicial foi coordenado pela equipe da Universidade McGill, do Canadá, que recrutou contatos intradomiciliares de cinco a 50 anos de pacientes com tuberculose ativa. Para dar continuidade ao braço pediátrico, a pesquisa foi agregada ao TB Ped, a qual prossegue no recrutamento incluindo apenas participantes menores de 10 anos.
Ainda em andamento, o estudo busca identificar e tratar a infecção latente na infância, reduzindo o risco de progressão para a doença ativa, qualificar os métodos de investigação de contatos e avaliar as chamadas “perdas da cascata” — dos contatos familiares de pacientes ativos, apenas 35% recebem recomendação de tratamento e, destes, somente 30% aceitam.
Qualificação e relevância internacional
Nesses primeiros anos de TB Ped, o projeto contribuiu para a capacitação de profissionais da saúde, especialmente no diagnóstico, tratamento e vigilância da tuberculose latente. Foram qualificadas 728 pessoas de 17 estados brasileiros através de um curso à distância e autoinstrucional. Além disso, também foram produzidos vídeos sobre a coleta do escarro induzido, aplicação da prova tuberculínica e a realização do teste IGRA (ensaio de liberação de interferon gama), disponíveis no YouTube. Para apoio na rede laboratorial, foram adquiridos e distribuídos aos laboratórios parceiros 13 equipamentos GeneXpert, que realizam o teste rápido molecular de identificação da doença – o que permitiu, além das análises das amostras para o projeto, a realização de mais de 19 mil testes de tuberculose e outras doenças até julho de 2023.
Entre os dias 11 e 14 de dezembro, a líder operacional do projeto, Márcia Bonatto, participou do BRICS TB Research Network Innovation Summit, em Durban, na África do Sul. Ela integrou a comitiva do Brasil no encontro, que reuniu cientistas e autoridades dos cinco países membros do grupo para debater inovações em diagnósticos da tuberculose, vacinas, terapias e fortalecimento dos sistemas de saúde.
“Nossa ideia era entender o que está acontecendo em cada país para avaliar as ações que precisamos fazer para poder, de fato, atingir nosso objetivo, que é o fim da tuberculose até 2030”, conta Márcia. De acordo com a pesquisadora, o TB Ped é um dos projetos que mais investe recursos em pesquisa de tuberculose pediátrica no mundo.