Tributação de reservas técnicas de planos e a reforma tributária

Por Maira Materagia Imperatriz, Rafaela Canito e Anna Potye

A reforma tributária sobre o consumo foi oficialmente aprovada pelo Congresso Nacional, por meio da Emenda Constitucional nº 132/2023, que alterou a Constituição Federal, para criar, de um lado, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – que substituirão ICMS, ISS, PIS/Cofins e, parcialmente, IPI – e, de outro, o Imposto Seletivo (IS), que incidirá apenas sobre bens e serviços nocivos à saúde humana e ao meio ambiente.

A lógica central desta reforma é simplificar o sistema brasileiro em vigor, por meio da uniformização dos critérios de tributação, transparência da carga tributária incidente sobre o consumo e da redução de regimes especiais e benefícios fiscais até então concedidos de forma descentralizada e desarmonizada pelos entes subnacionais.

Considerando as particularidades da sociedade brasileira, a Constituição Federal prevê uma lista limitada e uniforme de regimes diferenciados, favorecidos ou específicos que deverão ser aplicados em todo o território nacional, dentre eles o regime específico aplicável aos planos de assistência à saúde que prevê redução de 60% das alíquotas de IBS e CBS aplicáveis aos serviços prestados.

Esse regime foi instituído e regulamentado pela Lei Complementar nº 214/2025, que definiu a abrangência da redução dos novos tributos sobre os serviços prestados por seguradoras de saúde, administradoras de benefícios, cooperativas operadoras de planos de saúde e de seguro saúde e demais operadoras de planos de assistência à saúde.

O cerne da controvérsia, contudo, é a base de cálculo de IBS e CBS prevista pela Lei Complementar, segundo a qual IBS e CBS incidirão sobre a receita dos serviços compreendendo prêmios e contraprestações e as receitas financeiras dos ativos garantidores das reservas técnicas, efetivamente liquidadas, previstas algumas deduções.

Tais receitas decorrem do cumprimento de obrigação regulatória imposta às operadoras de planos de saúde pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que determina que essas entidades provisionem recursos frente às reservas técnicas aplicáveis, com objetivo de financeiramente garantir a cobertura dos riscos e responsabilidades inerentes à assistência à saúde perante prestadores de serviços e beneficiários.

No sistema tributário atual, existe discussão judicial no Supremo Tribunal Federal sobre a legitimidade da incidência de PIS/Cofins sobre as receitas oriundas de aplicações financeiras das reservas técnicas de operadoras de planos de saúde. Na mencionada discussão, a União Federal alega que as receitas financeiras comporiam a receita bruta da empresa, ao passo que as operadoras de planos de saúde sustentam que as aplicações representam mero cumprimento de exigências regulatórias impostas pela ANS.

A regulamentação da reforma tributária promovida pela Lei Complementar nº 214/2025 parece pretender superar as discussões judiciais em trâmite, ao determinar de maneira expressa a incidência de IBS e CBS sobre essas receitas.

Todavia, a Lei Complementar nº 214/2025 pode ter aberto caminho para uma nova discussão sobre o tema, especialmente em razão de um potencial conflito entre normas extraíveis de seus dispositivos. Isso porque o art. 235, I, “b” da Lei Complementar nº 214/2025 determina a incidência de IBS e CBS sobre as receitas financeiras oriundas das reservas técnicas dos planos de saúde, quando efetivamente liquidadas, enquanto, por outro lado, o art. 6º, V, da mesma lei, prevê que os novos tributos não incidirão sobre rendimentos financeiros, exceto quando incluídos na base de cálculo no regime específico de serviços financeiros, o qual não abrangeria as operadoras de planos de saúde.

Uma vez constatado esse conflito entre os regimes específicos de planos de assistência à saúde e tratamento das receitas financeiras em geral, o tema pode vir a ser objeto de nova onda de judicializações do setor de saúde.

Parte das regras gerais sobre a reforma tributária ainda será objeto de regulamentação, por meio do Projeto de Lei Complementar nº 108/2025, atualmente em trâmite no Congresso Nacional. Embora as finalidades desse projeto sejam outras – como disciplinar as regras relativas à gestão do IBS e do contencioso tributário, além de regras de transição associadas ao tratamento de créditos de ICMS –, a sua tramitação pode ser uma oportunidade de resolver o conflito potencialmente criado pela redação atual dos dispositivos da Lei Complementar nº 214/2025 sobre a matéria.

Diante disso, medidas jurídicas têm sido discutidas sobre o tratamento tributário aplicável aos rendimentos financeiros incidentes, a fim de garantir maior segurança jurídica aos contribuintes afetados.


*Maira Materagia Imperatriz é sócia da prática de Life Sciences & Healthcare do Lefosse. Rafaela Canito e Anna Potye são, respectivamente, sócia e advogada da equipe de Tributação sobre Consumo da área tributária do Lefosse.

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