Avanços no tratamento de lesões cerebrais causadas por acidentes
O traumatismo cranioencefálico (TCE) é o tipo de distúrbio neurológico comum que apresenta maior incidência na população e representa uma carga substancial para a saúde pública no mundo. No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, o TCE é considerado o principal motivo de morte prematura e incapacidade (física, psicológica e/ou social) em adultos. Dentre as causas mais para esse tipo de acometimento neurológico estão os acidentes automobilísticos, atropelamentos, acidentes ciclísticos e motociclísticos, agressões físicas, quedas e lesões por arma de fogo.
Segundo dados do artigo “Incidência hospitalar de traumatismo cranioencefálico no Brasil: uma análise dos últimos 10 anos”, em média, mais de 131 mil internações por traumatismo cranioencefálico acontecem por ano no país. A pesquisa também reforça que essas lesões acontecem predominantemente em adultos jovens (20 a 29 anos e 30 a 39 anos), por acidentes automobilísticos, fator considerado o primeiro como causa de morte não natural mais recorrente entre a população. A prevalência nesta faixa etária corrobora para o aumento dos impactos no país e, consequentemente, os custos. Isso porque, além tirar as pessoas do mercado de trabalho, que deixarão de produzir, também implica na necessidade de suporte previdenciário. Dados da Secretaria Nacional de Trânsito mostraram que, somente em 2021, o número de acidentes foi de 632.764 registros, o equivalente a 72 incidentes por hora no Brasil.
“O traumatismo cranioencefálico consiste em uma lesão física que atinge o tecido cerebral, de forma temporária ou permanentemente, incapacitando funções neurológicas. As manifestações clínicas variam de acordo com a gravidade e consequências apresentadas, e as lesões são, normalmente, categorizadas como abertas – quando envolvem penetração do couro cabeludo e crânio (meninges e tecido cerebral subjacente) – ou fechadas – quando a cabeça é golpeada, batida contra um objeto ou sacudida violentamente, o que pode provocar lesão no tecido no ponto de impacto, no polo oposto ou difusamente”, explica o Neurocirurgião Feres Chaddad, Professor e Chefe da disciplina de Neurocirurgia da UNIFESP e Chefe da Neurocirurgia da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Publicado em setembro de 2022, o artigo do The Lancet “Traumatic brain injury: progress and challenges in prevention, clinical care, and research”, é um dos estudos mais atuais sobre o progresso e os desafios da neurocirurgia nos tratamentos para TCE nos últimos 5 anos. De acordo com a revisão, o TCE é cada vez mais documentado não apenas como uma condição aguda, mas também como uma doença crônica com consequências a longo prazo, incluindo um risco aumentado de neurodegeneração de estágio tardio. Por essa razão, agências de financiamento têm apoiado pesquisas tanto em países de alta renda, quanto em países de baixa e média renda, com intuito de ampliar dados e avanços em prevenção e cuidados clínicos.
Progressos e desafios
O estudo do The Lancet evidencia que grande parte dos avanços na caracterização melhorada antes e após TCE foram alcançados pela incorporação de variáveis clínicas, bem como a neuroimagem avançada, o monitoramento de multimodalidade, a avaliação de biomarcadores sanguíneos e genômica e a integração de dados de gerenciamento individualizados.
“Graças às contínuas pesquisas e atualizações feitas nos últimos anos, em termos de técnicas e tecnologias, estamos chegando cada vez mais perto de alcançar abordagens mais individualizadas, titulando a escolha e a intensidade dos tratamentos, levando em conta as comorbidades pré-lesão, lesões extracranianas, entre outros dados. Por exemplo, a ressonância magnética avançada, incluindo imagens de tensorial de difusão e análises volumétricas, podem identificar lesões adicionais não detectáveis por inspeção visual de imagens clínicas padrão de RM”, reforça Feres.
No contexto da pesquisa, o documento relata que os desenvolvimentos no campo do TCE destacaram novas abordagens e oportunidades empolgantes na geração de evidências para apoiar o atendimento clínico, mas há ainda desafios. Particularmente em países de baixa e média renda, relacionado à prevenção de TCE, acesso a cuidados e fornecimento de diretrizes clínicas que podem ser implementadas em contextos com recursos limitados.
Existem também disparidades substanciais nos manejos clínicos, com pouca infraestrutura para atendimento pré-hospitalar de emergência e muito pouco acesso aos cuidados pós-agudos. Além disso, a pesquisa se refere ao acesso aos serviços de reabilitação como inconsistente, assim como aponta a ausência de protocolos para tratar problemas de longo prazo e a necessidade de continuar a educação e a pressão pública sobre os órgãos governamentais para garantir a implementação de medidas preventivas e protetivas em setores como trânsito e esportes individualizados.
Urgência da continuação dos avanços em neurocirurgia
Existem ainda muitas necessidades clínicas não atendidas pelos sistemas de saúde e que precisam ser resolvidas. Intervenções eficazes para prevenir acometimentos que provoquem TCE e melhorar a reabilitação e recuperação de pacientes que sofreram traumas ainda estão em evolução. Nesse sentido, uma das principais iniciativas a serem feitas é o esforço preventivo, uma vez que grande parte dos acidentes são evitáveis.
“O acompanhamento estruturado mesmo após TCE leve deve ser considerado como uma boa prática a longo prazo, visto que existem muitos pacientes com essa apresentação que correm risco de uma recuperação incompleta. Outra decisão importante é a triagem de TCE leves, pois permite a identificação precoce de lesões que podem desencadear admissão hospitalar ou cirurgia que salva vidas. Por essa razão, é fundamental reforçar que pesquisas sobre avaliação multidimensional, evolução dos tratamentos, seja de traumatismos cranioencefálicos como também de outras condições neurológicas, à nível nacional e global, não podem cessar. Precisam cada vez mais serem valorizadas e estimuladas, em todos os setores da sociedade”, reitera Chaddad.