Como promover acesso às terapias avançadas no Brasil?
Por Augusto Barbosa Júnior e José Mauro Kutner
No dia 7 de abril se comemorou o Dia Mundial da Saúde, data que marca a criação da Organização Mundial da Saúde (OMS) ocorrida durante a primeira Assembleia Mundial da Saúde, em 1948. O propósito é sensibilizar a população para questões que impactam a saúde em escala global, além de estimular reflexões e discussões sobre o bem-estar individual.
Nesse contexto, a data comemorativa serve para educar a sociedade sobre a importância da preservação da saúde para ter uma melhor qualidade de vida. Em 2024, o tema é “Minha Saúde, Meu Direito”, escolhido para defender o direito de todas as pessoas, em todos os lugares, de terem acesso a serviços de saúde, educação e informação, bem como à água potável, ao ar puro, à alimentação saudável, à moradia de qualidade, a condições ambientais e de trabalho decentes e a viverem livres de discriminação.
Embora o Conselho de Economia da Saúde para Todos da OMS tenha concluído que pelo menos 140 países reconhecem a saúde como um direito humano em suas Constituições, apenas quatro países apontam como financiá-la: Brasil, Colômbia, Equador e Egito.
O Brasil definiu que a saúde é um direito constitucional, e todo cidadão brasileiro tem direito de acesso ao sistema de saúde visando à prevenção e promoção à saúde, ao atendimento humanizado, acolhedor e sem discriminação e ao tratamento adequado e efetivo para o seu problema. Entretanto, em um país de proporções geográficas e populacionais continentais, com 214 milhões de habitantes (dos quais 70% dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde – SUS), e que vem passando por um intenso e rápido processo de envelhecimento populacional (40% da população será idosa em 2100), é um desafio garantir o direito de acesso a tecnologias inovadoras.
Um exemplo de tecnologia inovadora são os produtos de terapias avançadas — uma classe especial de medicamentos à base de células (produtos de terapia celular avançada, como células de defesa modificadas), tecidos (produtos de tecidos engenheirados, como pele ou cartilagem) ou genes (produtos de terapia gênica) humanos que apresentam propriedades terapêuticas, e que vem revolucionando a forma de tratar doenças.
Já existe um arsenal de produtos de terapias avançadas que promovem o tratamento — e até mesmo a cura — de doenças que até então não possuíam qualquer terapêutica disponível. Há aqueles que promovem a recuperação da visão de pessoas com doença genética que leva à degeneração progressiva da retina, ferramentas de edição genética que corrigem genes defeituosos da hemoglobina que estão por trás da origem da anemia falciforme e da talassemia, bem como células modificadas para tratar cânceres que voltaram após o tratamento convencional ou que não respondem mais a ele.
Apesar de as terapias avançadas serem revolucionárias, trazendo consigo a esperança de cura para doenças, sobretudo para as doenças crônicas e de fundo genético, a garantia do direito de acesso da população a esses tratamentos inovadores constitui um desafio hercúleo para o SUS e a saúde suplementar devido ao seu elevado custo — os tratamentos variam de R$ 2 milhões a R$ 19 milhões por paciente.
Atualmente, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) já aprovou a comercialização de 7 produtos de terapias avançadas em território nacional, sendo todos esses produtos desenvolvidos e comercializados por grandes empresas farmacêuticas internacionais. Este fato demonstra a vulnerabilidade e a dependência tecnológica do Brasil por estes produtos de fronteira, o que reflete um desafio gigante para um país que estabeleceu que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, que é garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Uma forma de reduzir o ônus aos cofres públicos e ampliar o acesso da população aos produtos de terapias avançadas consiste em fomentar um ecossistema no país que supra a carência por competências tecnológicas e que engaje a ampliação de parcerias com o setor industrial. Neste contexto, a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) criou um modelo inédito no país, denominado Centros de Competência, capazes de gerar conhecimento e criar hubs com competência para desenvolver pesquisas em áreas tecnológicas de fronteira, como é o caso das terapias avançadas.
O grupo de pesquisadores do Einstein, liderado pelo Departamento de Hemoterapia e Terapia Celular, foi selecionado pela Embrapii para ser o Centro de Competência em Terapias Avançadas (CCTA) no Brasil, devido ao seu histórico de excelência e pioneirismo no segmento. O Einstein tem, atualmente, um portfólio de 18 produtos de terapias avançadas em desenvolvimento, sendo a primeira organização brasileira a ter um ensaio clínico aprovado pela Anvisa com células CAR-T – uma terapia gênica onde linfócitos T, que são células do sistema de defesa do organismo, são geneticamente modificadas em laboratório para expressarem receptores que reconhecem proteínas expressas na superfície de um determinado tipo de célula cancerosa, direcionando e aumentado a sua atividade antitumoral.
Além disso, o Einstein foi a primeira organização fora dos Estados Unidos da América, e é a única brasileira, a possuir as acreditações para o transplante de medula óssea, banco de cordão umbilical e de produtos de terapias avançadas da Foundation for the Accreditation of Cellular Therapy (FACT), principal acreditação global neste segmento, o que demonstra que a instituição cumpre com os mais elevados padrões de excelência e qualidade internacional na produção e na aplicação clínica destas terapias.
Para colocar o Brasil em posição de destaque no cenário global e reduzir a vulnerabilidade tecnológica no desenvolvimento de produtos de terapias avançadas, o CCTA irá gerar de conhecimentos e competências tecnológicas nacionais, por meio de ações que envolvem:
- a execução de projetos de pesquisa, visando a geração de novas competências científicas e plataformas tecnológicas genuinamente nacionais;
- a formação e capacitação de recursos humanos;
- o fomento para atração e criação de startups;
- um consórcio com o setor industrial, por meio de um programa de membership, onde empresas investem certa quantia para se associar ao CCTA.
Nessa última frente, as empresas passam a se apropriar das competências científicas e tecnológicas gerados pelo Centro, incluindo o desenvolvimento conjunto de projetos de pesquisa, bem como o CCTA busca orientação do segmento empresarial para definir as prioridades e delinear a sua rota tecnológica orientada as demandas do mercado.
O CCTA receberá R$ 30 milhões, durante 5 anos, financiado de forma igualitária pelo Ministério da Saúde (MS), por meio do Programa Nacional de Genômica e Saúde de Precisão – Genomas Brasil, através da Embrapii, e pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
*Augusto Barbosa Júnior é gerente-executivo do Centro de Competência em Terapias Avançadas (CCTA Einstein-Embrapii).
* José Mauro Kutner é hematologista do Hospital Israelita Albert Einstein e coordenador-geral do Centro de Competência em Terapias Avançadas (CCTA Einstein-Embrapii).