Tecnologia na saúde: aprender com o passado para prosperar no futuro
Por Leonardo Vedolin
Nos anos 1890, correspondentes se uniram nos Estados Unidos contra o uso da máquina de escrever para elaboração de cartas, alegando que a escrita à mão era uma forma de conexão entre o remetente e o destinatário. As máquinas de fotocópias também provocaram uma forte reação entre os escritores em 1970, por acreditarem que facilitaria a pirataria de suas obras – e, logo depois, as vendas de livros bateram recordes no mundo todo. Já em 1981, um grupo de intelectuais começou um movimento na Inglaterra para banir o walkman, alegando que os fones de ouvidos representavam uma epidemia que privava os jovens de sentidos e da interação com a sociedade.
Essas pérolas estão no site Pessimists Archive (Arquivos Pessimistas, em português), um projeto de memórias da tecnofobia com histórias divertidas sobre coisas antigas quando elas ainda eram novas. Em alguns anos, quando a inteligência artificial se estabelecer de forma irrevogável no nosso cotidiano, acredito que muitos artigos e previsões que tenho lido estarão neste arquivo.
Toda sociedade foi construída com tecnologia. Da simples atividade de lascar uma pedra na outra à descoberta do fogo, da agricultura, da eletricidade, da robótica e da inteligência artificial (IA), qualquer técnica elaborada a partir da habilidade humana é uma tecnologia. Ela significa o nosso potencial colocado em prática, e sempre foi considerada o progresso em curso – até pouco tempo.
O pessimismo em relação às big techs que tomou conta do mercado no início do ano, corroborado pela onda de demissões no mundo todo, impulsionaram críticas em relação às inovações propostas pela IA generativa. O lançamento da última versão do ChatGPT no final de 2022 deixou muitos atônitos com a ferramenta que escreve textos informativos completos e cria imagens praticamente perfeitas em segundos, com poucos comandos, e os céticos temem que as novas ferramentas dizimem uma quantidade considerável de empregos. As previsões pessimistas, no entanto, desconsideram que durante séculos a tecnologia foi o principal instrumento de construção de riquezas. No seu controverso, porém certeiro, “Manifesto Tecno-otimista”, publicado neste ano, o cientista da computação, empresário e megainvestidor Marc Andreessen refuta o pessimismo e nos lembra que o progresso técnico-científico sempre foi a nossa principal fonte de crescimento e a única forma de equalizar o boom populacional com as limitações dos insumos naturais. “Acreditamos que a tecnologia é a alavanca do mundo – é a forma de fazer mais com menos… Não há problema social ou material derivado da tecnologia que não possa ser resolvido com mais tecnologia”, afirma.
Na saúde, é impensável abdicar dos avanços que a IA pode proporcionar ao sucesso do desfecho clínico de pacientes, uma vez que essa tecnologia pode significar a manutenção da vida. Poderia citar dezenas de aplicações relevantes de IA generativa dentro da medicina, inclusive já implementadas no Brasil, como algoritmos para detectar doenças cardiovasculares e cânceres.
Há, ainda, casos de grandes empresas da área de saúde que utilizam algoritmos de NLP (Processamento de Linguagem Natural, na sigla em inglês) para ler automaticamente laudos médicos no sistema e indicar tratamentos dentro da própria rede, ampliando e acelerando o acesso a tratamentos, além de aumentar a receita na utilização de serviços.
Claro que uma tecnologia com imenso potencial exige cautela. Apesar de já existir uma corrida entre as companhias para dominar e fazer uso mais assertivo dessas ferramentas, são necessários procedimentos rígidos de segurança para proteger os dados das empresas e o monitoramento desses resultados por médicos experientes, capazes de detectar qualquer falha no diagnóstico.
A sociedade comprovadamente navega em ondas, e a baixa atual no mercado tecnológico inevitavelmente irá passar, impulsionada pela necessidade natural do ser humano de progresso. O determinismo catastrófico com que os pessimistas avaliam as novas tecnologias desconsidera séculos de história em que a sociedade conseguiu se adaptar e contornar os reveses com ainda mais avanços. É hora de sermos tecno-otimistas.
*Leonardo Vedolin é Diretor-geral médico e de cuidados integrados da Dasa.