A tecnologia a serviço da ética e da proteção do paciente
Por Camila Cortez
Recentemente, o Conselho Federal de Medicina (CFM) anunciou que pretende lançar um robô de inteligência artificial (IA) para rastrear redes sociais e identificar falsos especialistas. Essa novidade reacende debates importantes.
A “epidemia” de fraudes na saúde, caracterizada pela proliferação de profissionais que se apresentam como especialistas sem a devida formação ou reconhecimento oficial, coloca em risco não apenas a credibilidade da classe médica, mas principalmente a segurança dos pacientes. Nesse contexto, o uso de tecnologia e IAs como instrumento de fiscalização surgem como ferramentas necessárias e inovadoras.
Essa medida dialoga diretamente com os princípios da beneficência e da não maleficência. Permitir que profissionais não habilitados atuem em especialidades médicas viola o dever de cuidado e pode causar danos irreversíveis à saúde das pessoas. O uso de IA, quando orientado pela ética e pelo compromisso com a vida, pode se tornar um aliado fundamental para preservar esses princípios.
Além disso, é importante lembrar que a prática profissional deve observar normas claras, que incluem a titulação adequada, o registro nos conselhos de classe e o respeito aos limites da atuação médica. Profissionais que se apresentam de forma irregular em redes sociais incorrem em infrações éticas e jurídicas, sujeitando-se a processos administrativos e até mesmo judiciais. A rastreabilidade promovida por ferramentas digitais, nesse sentido, pode reforçar a efetividade das normas já existentes.
O movimento do CFM vai além da fiscalização individual. Ele sinaliza a necessidade de que clínicas, hospitais e empresas de saúde implementem mecanismos internos de verificação e controle de credenciais profissionais. A conformidade regulatória não pode se limitar ao cumprimento formal da lei, ela deve ser incorporada à cultura organizacional como prática contínua de mitigação de riscos.
É inegável que utilizar IA em processos regulatórios levanta dilemas adicionais, como a transparência dos algoritmos e os limites éticos da vigilância digital. Contudo, se equilibrado com salvaguardas jurídicas e bioéticas, o robô do CFM pode se tornar um marco na proteção da sociedade contra práticas fraudulentas na medicina.
Em um cenário em que a informação circula de forma veloz e nem sempre com a devida responsabilidade, a combinação entre tecnologia, ética e direito é essencial para resguardar o bem maior que deve sempre orientar a medicina: a saúde e a dignidade do paciente.
*Camila Cortez é advogada, consultora, palestrante especializada em Bioética, Direito Médico e Healthcare Compliance, fundadora da KCortez Consultoria, Diretora e Professora do Instituto BIOMEDS.