A governança na sucessão em clínicas com perfil familiar
Por Mariana Viana
Imagine uma clínica bem-sucedida, construída ao longo de décadas por dois irmãos médicos, que, após o falecimento de um dos fundadores, enfrenta disputas entre herdeiros, queda na qualidade da gestão e perda de pacientes.
Esse cenário, infelizmente comum, poderia ser evitado com medidas simples, porém estruturadas.
As clínicas médicas de natureza familiar representam uma realidade consolidada no cenário brasileiro. No entanto, muitas dessas instituições enfrentam desafios significativos quando o assunto é gestão empresarial, sucessão e preservação patrimonial. A ausência de uma governança corporativa estruturada e a falta de planejamento sucessório e tributário podem comprometer a continuidade do negócio e até mesmo provocar sua ruína ao longo do tempo.
É comum encontrarmos clínicas geridas por membros da mesma família, com atuação clínica e administrativa compartilhada, porém sem diretrizes formais para tomada de decisões, distribuição de funções, regras sucessórias e organização patrimonial. A consequência, muitas vezes, é a sobreposição de papéis, ausência de transparência, conflitos familiares e incertezas quanto ao futuro da instituição — especialmente quando ocorre o falecimento ou afastamento de um dos fundadores.
Diante desse cenário, a adoção de práticas de governança e um adequado planejamento sucessório e tributário tornam-se fundamentais. Veja abaixo alguns dos principais benefícios:
1. Organização e Proteção Patrimonial
O planejamento sucessório e patrimonial permite estruturar o patrimônio da família de forma eficiente e segura, visando à sua preservação a longo prazo.
Entre os principais benefícios dessa estruturação antecipada está a diminuição do impacto tributário, uma vez que o planejamento bem conduzido possibilita o aproveitamento de estratégias legais que resultam em maior eficiência fiscal na transmissão de bens, evitando custos elevados e surpresas desagradáveis para os herdeiros no momento da sucessão.
Nesse contexto, a criação de uma holding familiar é uma das formas mais eficientes de organizar a sucessão. Trata-se de uma empresa criada para concentrar os bens e participações da família, facilitando a gestão e o planejamento do patrimônio. Com essa estrutura, é possível organizar a sucessão ainda em vida, de forma controlada pelos fundadores, evitando inventários demorados, custosos e muitas vezes conflituosos.
O resultado é uma transição mais tranquila e segura, respeitando os interesses da família e garantindo a continuidade do negócio.
2. Centralização da Gestão
Criar uma empresa gestora é uma forma prática e eficiente de organizar a administração da clínica e dos negócios da família. Com essa estrutura, as decisões são centralizadas, os processos ficam mais claros e a gestão se torna mais profissional. Isso permite que os fundadores mantenham o controle e facilita a continuidade do negócio ao longo do tempo.
Além disso, essa estrutura ajuda a separar a gestão operacional do patrimônio dos sócios, o que reduz riscos e traz mais segurança na hora de tomar decisões relacionadas ao negócio.
3. Prevenção de Conflitos Familiares e Judiciais
A ausência de regras claras é um dos principais fatores geradores de conflitos entre membros da família — especialmente após a morte dos fundadores. Desentendimentos sobre quem deve assumir a liderança, como os bens devem ser partilhados ou quem tem direito à gestão da clínica podem culminar em disputas judiciais prolongadas e extremamente prejudiciais para o negócio.
A implementação de instrumentos jurídicos como o acordo de sócios ou pacto familiar é essencial para delimitar poderes, funções e regras de sucessão. Esses documentos orientam a atuação dos familiares dentro da empresa, considerando inclusive, a vocação dos entes familiares envolvidos, e asseguram maior transparência nas decisões, promovendo estabilidade e prevenindo litígios.
Conclusão
Adotar práticas de governança corporativa e planejamento sucessório não é apenas uma medida preventiva — é um ato de responsabilidade com o futuro da clínica e com o legado da família. Em um setor tão sensível quanto o da saúde, onde o vínculo de confiança com os pacientes e a continuidade da atividade são fundamentais, garantir que a gestão e a sucessão ocorram de forma estruturada e profissionalizada é vital.
*Mariana Viana é Advogada Associada do Emrich Leão com atuação em Direito Societário, voltada para organizações e reestruturações empresariais e planejamento sucessório. Possui também amplo conhecimento e experiência em registros empresariais. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC/GO). Membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/GO.