Subdiagnóstico da insuficiência cardíaca é problema emergencial
As doenças cardiovasculares são a principal causa de óbito no Brasil e em todo o mundo. Dentre elas, a insuficiência cardíaca (IC) destaca-se pela elevada taxa de mortalidade. Estudos indicam que, globalmente, a mortalidade anual por IC varia entre 10% e 20%, dependendo da gravidade da condição e do acesso a tratamentos adequados.
No Brasil, a taxa média de mortalidade por IC em indivíduos com 50 anos ou mais foi de 75,5 óbitos por 100 mil habitantes entre 1998 e 2019. A expectativa de vida após o diagnóstico de IC é de aproximadamente 3,5 anos, com variações conforme a resposta ao tratamento e o estágio da doença. Embora a prevalência de IC na população brasileira geral seja de cerca de 2%, essa taxa pode alcançar 17% entre pessoas com mais de 85 anos.
A World Heart Federation projeta um aumento global de 25% na prevalência de insuficiência cardíaca até 2030, devido principalmente ao envelhecimento da população. Adicionalmente, o tratamento da IC apresenta uma complexidade crescente, com índices elevados de hospitalização e re-hospitalização, especialmente durante o período vulnerável – os primeiros 90 dias após um evento, com destaque para os 30 primeiros dias.
Dados da Sociedade Brasileira de Cardiologia indicam que a IC representa o maior custo para o Sistema Único de Saúde (SUS), gerando uma despesa anual de R$ 22 milhões, sendo a internação hospitalar o principal componente desse custo.
O desenvolvimento de soluções para a insuficiência cardíaca é urgente e inclui desde a detecção precoce com diagnóstico imediato até a rápida implementação dos tratamentos recomendados nas diretrizes clínicas, além do acompanhamento constante para identificar sinais de agravamento.
Em busca de uma compreensão mais profunda das questões nacionais relacionadas à IC, especialmente no contexto da cardiomiopatia isquêmica, a empresa farmacêutica Viatris financiou um estudo que avaliou os cuidados cardiovasculares em mais de 8 mil pacientes internados em hospitais do Distrito Federal com infarto agudo do miocárdio (IAM) com supra e tratados precocemente. O estudo revelou que quase metade dos pacientes que sofreram infarto do miocárdio apresentaram sinais de IC, mas não receberam diagnóstico adequado. Entre os diagnosticados, apenas 10% receberam o tratamento medicamentoso correto.
A formação médica é o ponto de partida para melhorar o tratamento da insuficiência cardíaca. O primeiro passo é capacitar cardiologistas, tanto especialistas quanto não-especialistas, para o diagnóstico preciso da doença. Na maioria dos casos, o diagnóstico pode ser realizado clinicamente, com base em uma análise detalhada da história e exame físico do paciente. Em casos de dúvida, os peptídeos natriuréticos constituem uma excelente ferramenta diagnóstica complementar. Exames de imagem, eletrocardiograma (ECG) e ecocardiografia também auxiliam no raciocínio clínico e na definição fenotípica da doença.
Outro aspecto fundamental é o incentivo à adesão ao tratamento. Uma vez diagnosticada, a implementação imediata do tratamento adequado, conforme as diretrizes, é essencial. Sendo a insuficiência cardíaca uma doença crônica, o tratamento precisa ser contínuo. Uma adesão correta pode reduzir em até 15% as hospitalizações e aumentar a expectativa de vida em até 6 anos. Estudos recentes apontam que, em média, 42% dos pacientes interrompem o uso do medicamento nos primeiros 2 anos de tratamento. Como o médico pode contribuir para melhorar essa adesão?
Assim como o diagnóstico de câncer é impactante para os pacientes, o diagnóstico de insuficiência cardíaca também deveria ser. Afinal, o câncer e as doenças cardiovasculares possuem as maiores taxas de mortalidade no Brasil, o que torna ambas igualmente graves. Os pacientes precisam compreender a seriedade da IC e a importância da adesão ao tratamento para melhorar sua expectativa de vida. Cabe ao médico, bem como às sociedades médicas, promover essa conscientização.
Portanto, a educação global sobre insuficiência cardíaca é indispensável para melhorar a qualidade de vida de uma população em envelhecimento. É necessário conscientizar a sociedade sobre a doença, capacitar os médicos para um manejo adequado e incentivar o tratamento contínuo, dado o caráter crônico da IC. Mudanças no estilo de vida, tratamento precoce de comorbidades, diagnóstico ágil, investigação etiológica eficaz e implementação precoce de um tratamento completo e otimizado são objetivos que devem ser perseguidos. Esse é um compromisso e uma responsabilidade de todos os segmentos da sociedade.”
*Lídia Ana Zytynski Moura é Presidente do DEIC (Departamento de Insuficiência Cardíaca da Sociedade Brasileira de Cardiologia).