Semana de Conscientização sobre a Resistência Antimicrobiana
Por Cleber Sato
O mês de novembro marca um período especial no calendário da saúde: entre os dias 18 e 24 acontece a Semana Mundial de Conscientização sobre a Resistência Antimicrobiana (RAM), intervalo estipulado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para alertar a população global sobre a realidade e perigos da resistência bacteriana. A RAM ocorre quando microrganismos, que podem ser bactérias ou fungos, se adaptam e tornam-se resistentes aos medicamentos que agiriam em seu combate – em geral os antibióticos.
Não é de hoje que a resistência bacteriana vem ganhando espaço, mas parece que agora estamos prestes a atingir o “marco profético” de Alexander Fleming, criador da Penincilina, o primeiro antibiótico do mundo. Em seu discurso da cerimônia de recebimento do Prêmio Nobel, em 1945, o médico bacteriologista soltou um alerta para o cenário que temos hoje: “Existe o perigo de que um homem ignorante possa facilmente se aplicar uma dose insuficiente de antibiótico, e, ao expor os micróbios a uma quantidade não letal do medicamento, os torne resistentes”. Quase 80 anos após a declaração de Fleming, temos um cenário preocupante no qual a resistência antimicrobiana pode afetar pessoas, animais e o meio ambiente.
De acordo com o mais recente relatório da OMS, “Incentivando o Desenvolvimento de Novos Tratamentos Antibacterianos 2023”, o número de óbitos em decorrência de bactérias resistente aos medicamentos convencionais saltou de 700 mil para 1.2 milhão. Além disso, o documento também menciona uma pesquisa divulgada na revista científica “The Lancet”, de 2022, sobre o aumento de mortes atribuídas a bactérias resistentes. Considerando dados de 204 países, o estudo revelou que cerca de 1.27 milhão de óbitos ocorreram de forma diretamente ligada às superbactérias no ano de 2019. Segundo a organização, há a previsão de que, até 2050, o número de óbitos relacionados à RAM ultrapasse os causados pelo câncer, tornando o problema a principal causa de morte no mundo.
No Brasil, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o número de infecções por resistência microbiana vinha em queda desde 2012, mas, com a pandemia de Covid-19, voltou a subir. Entre os motivos desse aumento podem ser apontados: a sobrecarga hospitalar, a alta de internações, e o aumento do uso indiscriminado de medicamentos antibióticos – o que é uma das principais causas da RAM.
Voltando aos dados de Brasil, em 2012, a Anvisa instituiu a Câmara Técnica de Resistência Microbiana (CATREM), com o intuito de apoiar a Diretoria Colegiada (DICOL) na elaboração de medidas e regras para monitorar, controlar e prevenir a RAM no país. Além disso, a agência integra a Coalizão Internacional de Autoridades Reguladoras de Medicamentos (International Coalition of Medicines Regulatory Authorities – ICMRA), formada por autoridades reguladoras de medicamentos de diversas nacionalidades, incluindo a própria OMS. No último ano, a ICMRA definiu o combate à RAM como medida estratégica e prioritária entre suas ações.
E, como iniciativa mais recente, a Anvisa, em uma parceria com a Associação Brasileira dos Profissionais em Controle de Infecções e Epidemiologia Hospitalar (ABIH), lançou, em 2019, o Projeto Stewardship Brasil: Avaliação Nacional dos Programas de Gerenciamento do Uso de Antimicrobianos em Unidade de Terapia Intensiva Adulto dos Hospitais Brasileiros – que vem sendo aplicado em hospitais de todo o país, com o intuito de ajudar no controle e combate do desenvolvimento da resistência.
O que torna uma bactéria ou fungo resistente?
Em partes, a formação de uma superbactéria ou superfungo se dá pelo processo de seleção natural, no qual certos microrganismos podem resistir a ação de alguns antimicrobianos e multiplicar-se, gerando novas cepas. A resistência antimicrobiana também pode ocorrer em decorrência do uso indiscriminado de medicamentos, em especial os antibióticos – o que geralmente é resultado direto da automedicação, e que é quase sempre realizada em dosagem errada e insuficiente para eliminar os microrganismos. Além disso, o descarte inadequado de sobras de medicamentos e suas embalagens podem contaminar o meio ambiente, tornando-o favorável para a proliferação deles. A falta de medidas sanitárias básicas, em algumas localidades, e o uso em práticas da agropecuária também estão entre os fatores de risco para o desenvolvimento da RAM.
Como evitar o pior cenário?
Apesar do exponencial aumento da resistência antimicrobiana no Brasil e no mundo, ainda é possível reverter o cenário, mas, para isso, é preciso trabalhar de maneira holística, envolvendo frentes multissetoriais como governo, indústria, saúde, educação e sociedades. Já temos informações suficientes para a realização de uma mudança – agora, é preciso girar a chave e começarmos a agir.
No âmbito público, simples medidas como a garantia da educação e do direito ao saneamento básico, bem como a implementação de ações concretas para a preservação do meio ambiente podem fazer uma diferença e tanto no combate ao surgimento de microrganismos resistentes. Aqui, também é importante reforçar a legislação em torno do controle do uso de medicamentos antibióticos, e disponibilizar para médicos de todo o país ferramentas que garantam a melhor identificação de doenças, para que consequentemente haja uma prescrição médica mais assertiva e que ajude a identificar a necessidade do uso de antibióticos com mais objetividade.
Algumas indústrias têm dado continuidade no trabalho de pesquisa e desenvolvimento na área de bacteriologia. Atualmente há 77 novos tratamentos em evolução no mundo, mas temos ampla margem para aumentar esse número. Será algo fundamental para a próxima década.
Junto a essas medidas, simples atos como lavar as mãos; higienizar adequadamente alimentos; evitar a automedicação; sempre seguir à risca a recomendação de um médico habilitado; cumprir corretamente o ciclo indicado para uso de cada remédio; realizar o descarte adequado de sobras e embalagem de medicamentos, e não compartilhar fármacos deliberadamente, podem contribuir e muito no combate à proliferação de superbactérias e superfungos. Dessa forma, é possível ajudar a combater a RAM, e garantir a eficácia dos antibióticos e antifúngicos para as gerações futuras.
*Cleber Sato é diretor médico da Sandoz do Brasil.