Segurança Profissional: explorando o seguro de responsabilidade civil
Por Marcela Freire
Considerando o crescimento exponencial da judicialização da medicina, segue em ascensão a contratação de seguro de responsabilidade civil por médicos. Nesse contexto, buscarei trazer todos os pontos relevantes a respeito de tal serviço.
Responsabilidade civil do médico
Inicialmente, é necessário apresentar o conceito de responsabilidade civil, que, segundo a doutrinadora Maria Helena Diniz, é:
Responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responda, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.
Apesar da responsabilidade civil, segundo o ordenamento jurídico brasileiro, se dividir em dois tipos: responsabilidade civil objetiva e responsabilidade civil subjetiva, apenas a última nos importa, pois, segundo o Código Civil Brasileiro e o Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade civil do médico é subjetiva.
Na responsabilidade civil subjetiva, cabe ao autor da ação (paciente ou familiar) comprovar que a culpa é do médico, para, assim, alcançar a reparação do dano pretendido, isto é, cabe ao paciente provar que o médico agiu com imprudência, negligência e/ou imperícia.
Comprovado, no processo judicial, que o médico agiu de acordo com um dos elementos da culpa (negligência, imprudência ou imperícia), surgirá o dever de indenizar, conforme prevêem os artigos 186 e 927 do Código Civil:
Artigo 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Artigo 927 – Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Com o crescimento da judicialização da medicina, aumenta o risco de médicos serem processados na esfera cível. Segundo Tiago Santos Badin , o risco é um evento futuro e incerto, que não se sabe efetivamente se irá ocorrer, e caso ocorra, pode gerar danos, e é o elemento essencial e caracterizador do seguro.
Seguro de Responsabilidade Civil Profissional
É a partir do risco que surgem os seguros. A função principal de um seguro é transferir o risco do segurado para a seguradora, em troca do pagamento de um prêmio. A seguradora, então, assume a responsabilidade de indenizar o segurado caso o evento danoso (risco) se concretize. Nesse sentido, o art. 757 do Código Civil Brasileiro prevê:
Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.
Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.
Ou seja, de um lado estará o médico (segurado), que deverá efetuar o pagamento do prêmio do seguro (o valor cobrado pelo seguro), e de outro lado estará a seguradora, que estará obrigada a garantir os riscos predeterminados.
A SUSEP – Superintendência de Seguros Privados descreve o conceito de seguro responsabilidade civil:
Seguro de responsabilidade civil, que garante ao segurado, responsável por danos causados a terceiros, a proteção contra as indenizações a que for obrigado a efetuar, a título de reparação, por exemplo, por decisão judicial, por decisão em juízo arbitral, por decisão administrativa ou por acordo com os terceiros prejudicados, mediante a anuência da sociedade seguradora.
São comumente chamados de “seguros de RC”.
O objetivo principal do seguro responsabilidade civil é garantir a segurança e tranquilidade financeira ao segurado, frente a imprevistos que envolvam terceiros/ pacientes. De acordo com Tiago Badin, o objetivo é assegurar a devida proteção patrimonial do segurado.
Sérgio Cavalieri Filho, ao tratar do tema, afirma: o segurado não contrata o seguro em beneficio da vitima, mas sim em beneficio próprio, para não desfalcar o seu patrimônio das consequências civis do que venha a causar outrem. Cuida-se de modalidade de seguro da maior importância para cobrir os riscos do exercício de algumas profissões, como médicos, dentistas […].
Considerando o que é o seguro de responsabilidade civil e seu objetivo, é importante abordar a cobertura oferecida, para que, ao contratar, você esteja ciente de todos os possíveis riscos.
Riscos X Cobertura Securitária: Estarei amplamente segurado?
A responsabilidade do médico pode ser dividida em três esferas: cível, administrativa (ético-profissional) e criminal. Portanto, ao considerar um seguro de responsabilidade civil, é essencial que o médico/segurado esteja atento às coberturas oferecidas.
Alguns seguros tratam somente da esfera cível, enquanto outros abrangem todas as três esferas: cível, criminal e administrativa. Por isso, ao contratar um seguro, é importante que o médico esteja atento ao que prevê a apólice, que deve especificar se inclui cobertura para ações criminais, e se a cobertura abrange o custeio de honorários advocatícios necessários para a defesa em processos éticos e disciplinares perante os Conselhos de Medicina, por exemplo.
Quanto às ações criminais e ético-profissionais, embora o seguro possa arcar com o pagamento dos honorários advocatícios, as sanções eventualmente impostas ainda serão de responsabilidade do médico. Portanto, possuir um seguro de responsabilidade médica completo não é suficiente para evitar que o médico sofra algum tipo de sanção. É fundamental que o médico continue a adotar medidas preventivas, como a diligente manutenção e atualização dos documentos médicos, para minimizar riscos.
Além disso, é importante verificar se, a partir da contratação, todas as ações em curso já estão seguradas ou se apenas as que vierem a existir a partir da data da contratação. Também é fundamental atentar-se à cobertura securitária em caso de acordos judiciais e extrajudiciais, bem como o custeio de honorários advocatícios com advogados de confiança do médico, honorários de peritos e custas processuais.
Em caso de acordos, é importante mencionar aqui o art. 787, §2º do Código Civil Brasileiro, que prevê a necessidade da anuência expressa da seguradora em caso de acordo, veja:
Art. 787.
§ 2º – É defeso ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação, bem como transigir com o terceiro prejudicado, ou indenizá-lo diretamente, sem anuência expressa do segurador.”
Outro ponto de suma importância na contratação de um seguro de responsabilidade civil é verificar se a entidade é legalmente autorizada para comercializar seguros e se está devidamente licenciada pela SUSEP (Superintendência de Seguros Privados), que é uma Autarquia Federal responsável pelo controle e fiscalização do mercado de seguro.
Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.
Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.
Diante do aumento constante da judicialização na prática médica, a contratação de um seguro de responsabilidade civil profissional tornou-se uma medida essencial para proteger os médicos contra potenciais litígios.
No entanto, tão crucial quanto a aquisição do seguro é não negligenciar a prevenção, por meio do Direito Médico Preventivo. Este campo abrange estratégias legais e éticas que visam mitigar riscos e prevenir situações que possam levar a processos judiciais.
Investir em medidas preventivas, como a manutenção meticulosa de registros médicos, a comunicação clara com os pacientes e o uso de documentos médicos válidos, pode ajudar a evitar conflitos e reduzir a necessidade de acionar o seguro.
Assim, além de contar com o respaldo do seguro, os médicos devem estar conscientes da importância da prevenção como uma camada adicional de proteção em sua prática profissional. Contar com uma assessoria jurídica especializada ode ajudar na prevenção de problemas legais e fornecer suporte em situações adversas, garantindo assim uma prática médica mais segura e tranquila.
*Marcela Freire é Advogada atuante em Direito Médico e da Saúde. Pós- graduada em Direito Processual Civil e Direito Público. Vice- Presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB/ Duque de Caxias.