O que aprender com os recentes movimentos da saúde nos EUA?

Por Newton Quadros

A McKinsey atualizou um relatório sobre o cenário do sistema de saúde norte-americano, no início de 2024. Os autores foram os responsáveis pelos escritórios da McKinsey de Nova York e Detroit, Neha Patel e Shubham Singhai. Foram abordados aspectos que afetam os pagadores, os serviços de saúde, a tecnologia de saúde e os serviços prestados por farmácia. A análise de cenários do sistema de saúde de outros países nos ajuda a pensar e sermos mais críticos na definição dos possíveis cenários para a área de saúde no Brasil e pode ser interessante uma análise paralela.

Cenário geral

A pressão aguda da escassez de mão de obra, inflação e Covid-19 endêmica na saúde financeira do setor de saúde em 2022 está diminuindo. Grande parte da melhoria é resultado dos esforços de transformação empreendidos ao longo do último ano ou dois pelos prestadores e pagadores de cuidados de saúde. Mesmo assim, as margens do sistema de saúde estão menores que o desempenho financeiro verificado em relação aos níveis pré-pandemia.

Este cenário é similar ao que verificamos no Brasil, no entanto, ainda não podemos verificar a recuperação das margens das empresas que atuam na saúde suplementar, pelo contrário; tampouco a conduta de cooperação entre prestadores e pagadores na busca do equilíbrio do sistema.

Recomposição da margem de lucro

Ao olharmos para 2027, o crescimento da população de duplas de cuidados gerenciados (indivíduos que se qualificam para o Medicaid e o Medicare) apresenta uma das oportunidades mais substanciais para os pagadores. Do lado da prestação de cuidados de saúde, o desempenho financeiro continuará a recuperar, à medida que os esforços de M&A e diversificação de receitas dão frutos. Impulsionados pela adoção de tecnologia, os negócios de serviços de saúde e tecnologia (NST), particularmente aqueles que oferecem melhorias mensuráveis de curto prazo para seus clientes, continuarão a crescer, assim como os players de serviços de farmácia, especialmente aqueles com foco em farmácia especializada.

Estima-se que os lucros da saúde crescerão a um CAGR de 7%, de US$ 583 bilhões em 2022 para US$ 819 bilhões em 2027. Os lucros continuaram sob pressão em 2023 devido às altas taxas de inflação e escassez de mão de obra, no entanto, espera-se uma recuperação a partir de 2024, impulsionada pela otimização de margens e custos e aumentos nas taxas de reembolso.

No Brasil há pouco incentivo para a cirurgia ambulatorial, que poderia ser uma das opções para a redução de custos cirúrgicos, com garantia de qualidade e segurança para os pacientes, com alta capacidade de redução das filas cirúrgicas para o setor público.

Cuidados Baseado em Valor

Com base em estimativas, 90 milhões de vidas estarão em modelos Value -Based Care (VBC) até 2027, ante 43 milhões em 2022. Essa expansão será impulsionada por um aumento na adoção comercial do VBC, maior penetração do Medicare Advantage e do modelo do Medicare Shared Savings Program (MSSP) no Medicare fee-for-service. Além disso, espera-se um crescimento substancial no modelo VBC para algumas especialidades médicas, em que a penetração em áreas como ortopedia e nefrologia pode mais do que dobrar nos próximos cinco anos.

No Brasil o VBC ainda está mais presente nos congressos e eventos técnicos da área de saúde que no mundo prático. Há algumas ações efetivas, sejam softwares ou experiência isoladas, mas de pouco efeito multiplicador e com pouca capacidade de reorientar o cenário de modelo de remuneração e condução do sistema de saúde.

Segmentos governamentais devem ser 65% maiores que segmentos comerciais até 2027

Em 2022, o lucro total dos pagadores foi de US$ 60 bilhões. Olhando para o futuro, estimamos que o EBITDA cresça para US$ 78 bilhões até 2027, um CAGR de 5%, à medida que o mercado se recupera e se aproxima das tendências históricas. Os drivers provavelmente serão a recuperação das margens do segmento comercial, os aumentos incrementais das taxas de prêmio impulsionados pela inflação e o aumento da participação da população de duplas no cuidado gerenciado. Isso provavelmente será parcialmente compensado pela compressão de margem no Medicare Advantage devido a pressões regulatórias (por exemplo, ajuste de risco, declínio no bônus Stars e atualizações técnicas) e ao declínio de membros no Medicaid resultante da expiração da emergência de saúde pública.

No Brasil, há um movimento exitoso, porém ainda tímido nas parcerias público-privadas e algumas ações isoladas, como por exemplo a Tabela SUS Paulista, que melhora a renumeração dos prestadores de serviços de saúde, em especial para a população usuária do SUS. No mercado provado, o que vemos é um incremento da verticalização, embora não exista um estudo comprovado de eficácia na relação custo-benefício, e cada vez mais um processo de aglomeração, que poderá excluir várias empresas do mercado por incapacidade de livre concorrência.

Lucros dos NST crescerão em segmentos baseados em tecnologia

Estima-se que os Negócios de Saúde e Tecnologia – NST – sejam o setor que mais cresce na área da saúde. Em 2021, estimamos o lucro dos NST em US$ 51 bilhões. Em 2022, de acordo com nossas estimativas, o lucro dos NST encolheu para US$ 49 bilhões, refletindo um mercado em contração, pressão inflacionária salarial e o arrasto do investimento em tecnologia fixa que ainda não havia cumprido seu potencial. Olhando para o futuro, estimamos um CAGR de 12% em 2022-27 devido à tendência de crescimento subjacente de longo prazo e recuperação do declínio relacionado à pandemia. Com a adoção contínua de tecnologia na área da saúde, a maior aceleração provavelmente acontecerá em software e plataformas, bem como dados e análises, com 15% e 22% CAGRs, respectivamente.

O setor de tecnologia na área de saúde cresce fortemente no Brasil e, implementando-se a Inteligência Artificial, a tendência é de maior ampliação. O Ministério da Saúde criou a Secretaria de Informações e Saúde Digital, em 1 de janeiro de 2023, responsável pela formulação de políticas públicas orientadoras para a gestão da saúde digital. Em 2 e 3 de outubro de 2023, foi realizado o 1º Simpósio Internacional de Transformação Digital no SUS, uma parceria entre o Ministério da Saúde, SES- SP, OPAS/OMS, CONASS, CONASEMS e CNS.

Serviços realizados por farmácias continuarão a crescer

O mercado de farmácias passou por grandes mudanças nos últimos anos. A receita total de dispensação de farmácias continua a aumentar, crescendo 9% para US$ 550 bilhões em 2022, com projeções de um CAGR de 5%, atingindo US$ 700 bilhões em 2027. A farmácia de especialidades é um dos subsegmentos de crescimento mais rápido dentro dos serviços de farmácia e responde por 40% da receita de prescrição. Espera-se que esse subsegmento atinja quase 50% da receita de prescrição em 2027. Atribui-se seu CAGR de 8% no crescimento da receita a aumentos na utilização e preços, bem como à expansão contínua de terapias de pipeline (por exemplo, terapias celulares e gênicas e terapias oncológicas e de doenças raras). Além disso, esperamos que o crescimento da receita seja parcialmente compensado por pressões de reembolso, genéricos especiais e maior adoção de biossimilares.

No Brasil, as grandes redes de farmácias começaram a despertar para o mercado de prestação de serviços de saúde, na esfera ambulatorial e perceberam que há, sim, uma grande oportunidade, em especial, devido à forte capilaridade das grandes redes. Alguns serviços de saúde já estão sendo prestados em concorrência a clínicas médicas, clínicas de vacinas, entre outros serviços.

Conclusão

Excluindo-se as relações e rotinas dos prestadores e pagadores de serviços de saúde, que carecem de inovação e cooperação, temos semelhanças interessantes com os EUA no setor de tecnologia em saúde, expansão da atuação das farmácias e de novas formas de participação do governo no setor como orientadores de oportunidades para atitudes mais criativas e disruptivas. E isso precisa ser observado no processo de planejamento estratégico de algumas empresas.


*Newton Quadros é responsável técnico pelo projeto Neo Life, em Brasília. Também é especialista em Gestão de Saúde e Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Ambulatorial – SOBRACAM.

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