Molécula de região pouco estudada do DNA é ligada ao câncer de mama
Uma pesquisa conduzida na Universidade Federal do Paraná (UFPR) identificou pela primeira vez a molécula de RNA Lnc-uc.147, produzida em uma região do DNA que antes era considerada “lixo” — ou seja, sem funcionalidade na expressão genética dos seres humanos. Essa molécula está envolvida no desenvolvimento do câncer de mama e pode contribuir para novas alternativas de tratamento da doença.
Os resultados estão no artigo “A novel lncRNA derived from an ultraconserved region: lnc-uc.147, a potential biomarker in luminal A breast cancer”, publicado na revista RNA Biology, de autoria de Érika Pereira Zambalde, doutora em Genética pela UFPR, sob orientação da professora Jaqueline Carvalho de Oliveira.
No combate ao câncer de mama, testes genéticos auxiliam na escolha do método mais adequado para o tratamento. Porém, esses testes envolvem uma parte do DNA que corresponde a apenas 2% de toda a nossa informação genética.
As pesquisadoras buscaram outras partes do material genético que poderiam influenciar os tumores. Foi quando elas iniciaram o estudo das regiões ultraconservadas (UCRs), que, no decorrer da evolução, mantiveram a estrutura em humanos e em outros animais, como ratos e camundongos.
Como as moléculas dessas regiões não atuam na produção de proteínas, elas eram consideradas “DNA lixo” (em inglês, “trash DNA” ou “junk DNA”) e não eram analisadas mais profundamente.
Outros estudos já trouxeram o papel das UCRs em processos celulares, metabolismo, resistência a medicamentos e progressão de cânceres. Porém, pela primeira vez, um grupo de pesquisa estudou a fundo todas as moléculas ultraconservadas no câncer de mama.
O primeiro passo foi buscar em bancos de dados internacionais quais UCRs poderiam ter alguma relação com o câncer. Érika verificou que mais da metade das 481 moléculas das UCRs do genoma humano poderiam se associar a pelo menos um parâmetro clínico de câncer de mama.
Desse grupo, as pesquisadoras elegeram a Lnc-uc.147 para aprofundar os estudos, no Laboratório de Citogenética Humana e Oncogenética da UFPR e no MD Anderson Cancer Center, da Universidade do Texas (Estados Unidos), onde Érika fez análises complementares da molécula e aprendeu tecnologias para trazer ao Brasil.
À medida que o RNA Lnc-uc.147 era inibido, o crescimento das células de câncer de mama também diminuía. Com isso, comprovou-se que a molécula atua nas células tumorais.
“A molécula tem função no controle da taxa de crescimento e morte das células. Quando ela é encontrada em maior quantidade, o câncer do paciente é mais agressivo”, explica Érika.
Descoberta abre possibilidades para indicação de tratamento
No momento do diagnóstico, os tumores de mama são classificados para direcionar o tratamento mais adequado. O achado sobre a Lnc-uc.147 é promissor, pois pode modificar os parâmetros de classificação atuais. Casos que hoje são considerados como de fácil tratamento podem evoluir para malignidade, devido à presença dessa molécula.
“Quando a gente olha para um grupo que atualmente é classificado como mais fácil de tratar, ainda há pacientes que evoluem mal. O estudo dessa nova molécula pode ajudar a identificar esses pacientes no momento do diagnóstico e servir como um marcador complementar aos que já existem”, destaca a professora Jaqueline.
“A análise da molécula pode ser usada para separar pacientes com câncer menos ou mais agressivo. Isso auxilia no tratamento, pois poderíamos poupá-los da quimioterapia, o que aumenta a qualidade de vida”, completa Érika.
Por isso, um caminho possível para futuros estudos seja transformar a Lnc-uc.147 em um marcador nos exames genéticos do câncer de mama. Além disso, outras pesquisas poderão testar o uso dessa molécula como alvo terapêutico, para descobrir um medicamento que se ligue a ela e auxilie no tratamento do câncer.
Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), a taxa de incidência do câncer de mama no Brasil foi de 43,64 casos a cada 100 mil mulheres em 2020, sendo o segundo câncer mais incidente em mulheres, atrás dos tumores de pele. No entanto, é o câncer que proporcionalmente mais mata mulheres em quase todas regiões do Brasil (a exceção é o Norte). Na média ocorrem 14,23 óbitos a cada 100 mil mulheres devido ao câncer de mama (dado de 2019).
O estudo com a Lnc-uc.147 recebeu o prêmio “Curta Ciência” 2020, da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PRPPG) da UFPR e foi indicada ao prêmio Capes de Tese 2021.