RN 518, os desafios de operadoras e como se preparar para a resolução

Por Luciano Dozól

Se existe um setor que abrange 100% das pessoas em uma sociedade, esse setor é a saúde. Todos nós, em algum momento, já precisamos contar com um profissional da saúde – seja nos atendimentos de emergência, seja nos procedimentos eletivos e de rotina.

Nesse contexto, o segmento de saúde suplementar ocupa um papel importante. Tão grande quanto a responsabilidade destas empresas com as vidas de milhares de pessoas são os desafios em torno da administração desses planos. Os planos de saúde médico-hospitalares tiveram em 2022 um prejuízo operacional de R$11,5 bilhões, o pior resultado desde 2001, quando se iniciou a série histórica feita pela ANS. A sinistralidade média do setor fechou o ano de 2022 em 88,5%, o maior patamar dos últimos treze anos.

Considerando tão complexo seu cenário atual, quais os possíveis caminhos para garantir a sustentabilidade econômico-financeira da saúde suplementar? A solução passa, sem dúvida, por um trabalho de conscientização de profissionais e pacientes para o uso racional dos recursos do setor. Mas, mais do que isso, o “x” da questão está na profissionalização e na automatização da gestão dos planos, de maneira a reduzir custos desnecessários, enxergar onde se encontram as maiores despesas para corrigir ou aumentar receitas.

Abrindo a boca do jacaré

Uma expressão comum entre administradores de operadoras é “abrir a boca do jacaré”. A medida da abertura se refere à distância entre receitas e despesas. Dessa maneira, abrir a boca do jacaré significa fazer crescer as receitas e cortar despesas – sempre respeitando e tendo em vista a qualidade dos serviços do setor.

Nesse contexto, as organizações precisam estar de olho na gestão dos custos reais em hospitais próprios, que inclui um conjunto de práticas e processos utilizados para monitorar, controlar e otimizar os custos associados à operação de hospitais que pertencem a uma organização ou entidade. Essa abordagem visa garantir a utilização eficiente dos recursos financeiros, maximizando o valor entregue aos pacientes e à instituição.

Outro ponto importante é entender que a gestão das despesas administrativas das operadoras deve corresponder a até 10% das contraprestações, mas o ideal é que fique abaixo deste patamar. Para que a boca do jacaré possa ser aberta é essencial ter uma gestão integrada e visual, que inclua controle financeiro e de indicadores da operadora, gestão de risco, gestão de projetos e governança, tudo em um mesmo local. E por incrível que possa parecer, muitas empresas ainda realizam seus procedimentos de controle na base de planilhas de excel, de forma manual.

O fator que mais impacta na abertura da boca do jacaré são as contraprestações (receitas) e os custos assistenciais (custo direto). Neste sentido, ações efetivas devem ser realizadas, identificando os contratos deficitários (vide RN 518 risco de subscrição alínea F), em especial os contratos empresariais com mais de 30 vidas, em que se tem a cláusula de sinistralidade como fator de reajuste do contrato.

Gestão e visão da operadora

Tendo em vista a quantidade de dados que precisa ser gerenciada por uma operadora de plano de saúde, essas ações só conseguem ser efetivas com a ajuda da tecnologia adequada e com automação de processos. Só planilhas de excel não são suficientes.

Além disso, esse modelo antigo e ultrapassado de administração, utilizando somente planilhas, mais do que não facilitar a vida do gestor por conta da dispersão dos dados, também é um risco do ponto de vista da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Imagine como é fácil para um colaborador mal-intencionado vazar um arquivo com dados sensíveis de clientes, seja para um concorrente, seja para qualquer pessoa ter acesso pela internet.

Além deste modelo ser um risco ao próprio negócio do ponto de vista financeiro, ele não atende às determinações da ANS com relação à implementação de práticas de governança, de gestão, de riscos e controles internos na operação. O gestor de hoje precisa ter atenção no seu negócio, sempre analisando onde a operação é eficiente e em quais os procedimentos nos ditos recursos próprios (hospitais/clínicas/laboratório próprios da operadora) se têm menores custos. Não é muito difícil encontrar operações próprias com custos de diárias de internações mais elevados do que os valores da rede credenciada (não próprios).

Outro ponto importante é a análise da rentabilidade dos planos/coberturas para comercialização de planos onde a operadora tem margem de contribuição. A gestão da carteira de beneficiários também é uma questão que deve ter especial atenção por parte do gestor. Plataformas de gestão P-POV vem sendo usadas para facilitar a jornada administrativa. Os dados paralelos, vindos de áreas diferentes da operadora, não se perdem e fomentam a produtividade do time de controladoria/orçamento, permitindo a análise dos desvios com até D-1 (near real time) para monitorar os principais contratos/beneficiários. Esse recurso permite identificar em quais se faz necessário um acompanhamento preventivo/ativo da operadora e tomadas corretivas em tempo hábil para que as finanças da operadora permaneçam no azul.

Modelo na prática

Em uma operadora de plano de saúde da região Sudeste, que faz uso da tecnologia adequada, o gestor passou a ter a visão macro da sustentabilidade, apoiada na leitura dos dados que a própria ferramenta transforma em gráficos e indicadores. A automatização da coleta de grande volume de dados tem possibilitado desdobrar o orçamento em um painel com indicadores representando os principais objetivos a serem atingidos.

Com a solução, a operadora passou a ter acesso a um relatório que permite a identificação dos principais pontos de controle (torneiras) dentro da operadora. Os pontos de controle/torneiras devem ser monitorados e regulados para dar a vazão necessária para atender a operação de forma otimizada. Cada ponto de controle deve se tornar um indicador com plano de ação e responsáveis atrelados. A apuração mensal é essencial para ajuste da vazão/controle. Assim é possível controlar o desperdício em toda operação.

A gestão proativa da saúde da carteira de beneficiários é um grande desafio. Por outro lado, o simples bem feito é perfeito e, na maioria das vezes, traz resultados factíveis. Uma melhora na experiência do usuário dentro da jornada do atendimento é um exemplo. Muitas vezes estas iniciativas planejadas, coordenadas e transformadas em ações atreladas aos principais objetivos da organização geram um processo de melhoria contínua, outro conceito derivado da gestão da qualidade, largamente aplicado na indústria há várias décadas.

Em maio de 2023, o número de pessoas empregadas na cadeia produtiva da saúde foi de 4,8 milhões, sendo 80% em vínculos formais do setor privado.

E para que beneficiários e trabalhadores continuem contando com as operadoras de planos, os gestores deste negócio precisam estar muito atentos aos índices e à saúde financeira do setor. E sua operadora, está se precavendo e investindo em automatização ou ainda corre o risco de quebrar por realizar controles ineficientes na base de planilhas excel?


*Luciano Dozól é diretor da Planner Sistemas.

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