Papel do Risco Compartilhado para o acesso democrático à saúde
Por Andréa Bergamini
O acesso democrático à saúde ainda é uma realidade distante no Brasil. Os recursos finitos, somados ao número expressivo de usuários que precisam de atenção, resultam em atendimentos precários, altos custos em procedimentos e medicamentos e déficit financeiro para operadoras de saúde e hospitais.
Diante de um cenário cada vez mais incerto e complexo, surge a necessidade de reavaliar os modelos de negócios já definidos para a Saúde Suplementar. Em 2022, o setor registrou o pior resultado desde 2001, com R$ 11,5 bilhões de prejuízo operacional, segundo a ANS.
Este é um tema que exige de todos os players envolvidos uma solução eficaz para os problemas históricos enfrentados, em sua maioria, pelas Operadoras de Saúde. Deste modo, o risco compartilhado (risk sharing) surge como um modelo de negócio a ser avaliado, principalmente quando são utilizadas novas tecnologias.
Muitos países já adotaram este modelo como uma alternativa para auxiliar no equilíbrio dos recursos que, em oposição ao consenso geral, é finito. O risco compartilhado proporciona à população, o acesso mais democrático à saúde.
Mas, afinal, de que forma o risco compartilhado pode ser implementado no Brasil?
Risco compartilhado
Já existem alguns modelos de risco compartilhados no Brasil, como nos casos de contratos de serviços especializados. A Agência Nacional de Saúde Suplementar define risco compartilhado como “mecanismos para compartilhamento de gestão de riscos entre operadoras de planos de saúde, criando regras protetivas para contratantes e ofertantes de planos de saúde”.
Na prática, o risk sharing atua também na responsabilidade solidária entre as partes.
Trazendo o conceito para incorporação de novas tecnologias, novos tratamentos e novas ações em saúde faz-se necessário o alinhamento de alguns conceitos que veremos a seguir.
Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS)
Hoje se fala muito sobre a incorporação de novas tecnologias de forma acrítica, com custos elevados e que não entregam valor ao paciente. Este problema já é conhecido e discutido amplamente tanto no âmbito da saúde pública quanto suplementar.
É importante destacar que a introdução de novas tecnologias, sem um estudo baseado em evidências, pode ser um dos fatores que mais prejudica e gera o déficit que o setor da saúde enfrenta.
Para isso, a ATS é imprescindível para a incorporação de novos procedimentos e medicamentos, principalmente, no segmento de Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPME) e medicamentos de alto custo que apresentam um cenário de valores elevados, consequência da ausência de um teto pré-definido de preços.
Uma das justificativas dadas pela indústria para os preços praticados, relaciona-se à curva de aprendizado das equipes de saúde. Porém, na prática, as operadoras precisam arcar individualmente com todos os custos, muitas vezes com preços incompatíveis com a performance do material ou medicamento. Há, ainda, o desperdício de materiais em procedimentos por falta de capacitação adequada.
Mesmo com as resoluções normativas que incluem a responsabilidade de todos os players, no cenário atual, muitos não sofrem sanções judiciais e financeiras, levando a processos desgastantes para ambos os lados, que impactam diretamente o beneficiário que perde a confiança no sistema.
Os procedimentos e cirurgias utilizam diversos tipos de materiais que são negociados com fabricantes e fornecedores de produtos para a área da saúde. Para dimensionar os valores: existem no mercado agulhas que são utilizadas para o procedimento de infiltração de coluna, onde cada unidade teria o custo que pode variar de R$ 1.500,00 até 20 mil reais, sendo que na maioria dos casos não agregam valor ao cuidado com o paciente. Neste contexto, há apenas aumento de custo sem agregar qualidade na assistência prestada.
O CAR-T Cell, por exemplo, é uma terapia que vem sendo desenvolvida a pouco tempo como alternativa para alguns tipos de câncer e tem sido indicada para casos em que o paciente não corresponde de maneira positiva às terapias convencionais. Por se tratar de um processo complexo, tem um custo na casa dos milhões. Atualmente, as evidências existentes são de fase 2 e exigem uma construção de protocolo minucioso para sua utilização. A incorporação desta terapia em outros países está sendo realizada com risco compartilhado, fato este que ameniza o grande aumento de custo e tem como principal objetivo trazer valor para o paciente (qualidade da assistência prestada). Devido a isso, a solicitação para realização desta terapia deve ser indicada apenas em casos que o profissional tem a certeza da efetividade do CAR-T Cell.
Portanto, por que não falar sobre compartilhamento de risco?
Se eu represento uma indústria e acredito na minha tecnologia, por que não criar mecanismos de avaliação de resultados junto às fontes pagadoras? Se esse resultado não for alcançado não seria justo e correto “dividir” os custos?
Hoje a percepção é que a incorporação de novas tecnologias é feita de forma unilateral e com base em uma promessa que “tudo vai dar certo.” No entanto, estamos em um cenário no sistema de saúde que as ações precisam ser feitas de forma ágil e efetiva.
Já há iniciativas em outros países de risco compartilhado para tecnologias de alto custo e que estão funcionando.
Na prática, o risk sharing atenua riscos no uso de novas tecnologias e minimiza seus impactos financeiros, caso essas apresentem resultados não efetivos.
As operadoras devem resgatar o direito dos pagadores de forma qualitativa, com redução de desperdícios e trazendo mais qualidade para assistência prestada aos seus associados e beneficiários.
Como fazer o compartilhamento de risco? Para a construção de um modelo melhor, algumas questões devem ser respondidas.
– Qual a indicação desta nova tecnologia.
– Para qual perfil de paciente trará benefício.
– Qual o protocolo para sua utilização.
– Quais os resultados esperados (indicadores concretos).
A partir deste mapeamento, a próxima definição será o compartilhamento de custo nos casos em que os resultados esperados não forem alcançados.
Quem ganha com o compartilhamento de risco?
Primeiro: o paciente – a partir do momento que as responsabilidades são compartilhadas, o foco passa a ser o paciente (resultados devem ser alcançados e, com isso, a melhora da saúde e qualidade da vida).
Segundo: todos os players que atuam no sistema de saúde pela sustentabilidade do setor.
Hoje a operadora autoriza um determinado procedimento e/ou cirurgia, o paciente interna, realiza a intervenção e, caso tenha alguma complicação, a internação é prolongada com possíveis novas intervenções. Com isso, o custo vai crescendo de forma não planejada e, principalmente, a jornada do paciente fica prejudicada.
No âmbito financeiro seria como se fosse entregue um cheque assinado em branco pela operadora de saúde a cada evento realizado. No âmbito da expectativa do paciente seria uma verdadeira catástrofe.
Por fim, considerando o contexto atual e, principalmente, a ótica do paciente, este seria mais um desafio de gestão em saúde: a construção do risco compartilhado em busca da qualidade da assistência prestada e a sustentabilidade do sistema de saúde, tendo como premissa a Medicina Baseada em Valor.
*Andréa Bergamini é Diretora Técnica Comercial da AdviceHealth, mestre em Ciências da Saúde e Especialista em OPME.