Proteger a formação médica é proteger a vida das pessoas
Por Fernando Uberti
Imagine que você está com um problema grave de saúde e busca auxílio médico. Você espera e confia que o profissional será qualificado, tendo estudado em universidades reconhecidas pelos órgãos competentes e se especializado naquela área de atuação. A maior parte das residências médicas, que formam os nossos especialistas, duram até três anos – algumas chegam a cinco –, e são reguladas pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM).
A qualidade desses programas foi posta à prova com o Decreto nº 11.999. A nova regra alterava a composição da CNRM, reduzindo a participação de entidades médicas e adicionando mais representantes do governo federal, tornando a CNMR uma estrutura praticamente governamental. Tudo sem diálogo, de forma arbitrária e unilateral. Desde a publicação do decreto, em abril, o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) e outras entidades médicas gaúchas se uniram para definir estratégias que pudessem revogar o decreto.
Obtivemos vitória importante, mas ainda parcial, em nosso pleito. O decreto foi revogado e a composição anterior foi retomada. Ainda assim, alguns pontos preocupam, como o papel do Secretário Executivo e a manutenção da Câmara Recursal, com composição majoritária do governo, e que praticamente elimina o poder decisório do plenário.
Seguiremos atuando para essas mudanças. Sem igualdade efetiva de debate e poder decisório, há grave risco à qualidade da formação médica e assistência em saúde da população. O 11.999 e tantas outras decisões nos últimos anos têm sido tomadas em gabinetes, por burocratas muitas vezes desconectados da realidade em saúde de nosso país. E pior, sem qualquer tipo de diálogo com quem conhece tecnicamente o tema e atua no setor.
A formação médica já estava sofrendo um processo de acentuada deterioração, mesmo antes da alteração na composição da CNRM. Somos vice-campeões mundiais em número de faculdades de Medicina, atrás apenas da Índia. São quase 400 faculdades e – pasmem – há mais de 200 cursos aguardando autorização para serem abertos em todo o País. Não somos contra mais médicos pura e simplesmente, mas precisamos garantir que sejam qualificados, que passem por rigoroso treinamento. Afinal, esses profissionais terão, em suas mãos, o bem maior de qualquer pessoa, a vida.
A ociosidade de vagas em residências médicas e a falta de preceptores e condições adequadas de formação em escolas e programas de formação de especialistas são alarmantes por si só. Já estamos sofrendo as consequências da má-formação médica devido à abertura desenfreada e sem critérios de escolas, o que é simbolizado pela discussão entre entidades médicas e no Congresso Nacional sobre a aplicação de um exame de proficiência a egressos de cursos de Medicina no país. Não podemos permitir a banalização também da formação de especialistas.
Mais do que fragilizar a categoria, essas decisões colocam em risco a saúde dos brasileiros, cada vez mais exposta a maus profissionais, e a funcionalidade e sustentabilidade de nosso sistema de saúde.
*Fernando Uberti é Médico psiquiatra e vice-presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul.