SUS: Modelo de reembolso é entrave para paciente com câncer de pulmão
Considerada um dos pilares fundamentais para o tratamento de pacientes diagnosticados com câncer, juntamente com cirurgia e tratamento sistêmico medicamentoso, a radioterapia é decisiva para pelo menos sete em cada dez pacientes oncológicos. Para eles, a radioterapia é empregada em 85% das vezes com a intenção de cura. Nos outros 15%, com a finalidade paliativa, para o alívio dos sintomas e maior conforto e qualidade de vida dos pacientes.
A indicação da radioterapia como proposta curativa ou paliativa para pacientes com câncer de pulmão depende de fatores como a fase de descoberta e expansão da doença, bem como disponibilidade das diferentes técnicas oferecidas na Saúde Suplementar e no Sistema Único de Saúde (SUS). Em alusão ao “Agosto Branco” – campanha de conscientização sobre câncer de pulmão, a Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) chama a atenção da sociedade para a importância de o SUS reembolsar de maneira adequada e suficiente para cobris os custos do tratamento de cada paciente com as técnicas mais efetivas, dentre elas a radioterapia por intensidade modulada (IMRT).
No Brasil, a tecnologia IMRT está inclusa desde 2023 no ROL de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para pacientes com câncer na região do tórax (pulmão, esôfago e mediastino), cabeça e pescoço e próstata. O tratamento com IMRT pelo SUS é possível, mas o modelo engessado de reembolso inviabiliza o uso da técnica. Isso porque, diferentemente de outros processos de incorporação tecnológica na rede pública, a radioterapia é paga a partir de uma tabela que não considera a técnica usada. Na prática, o serviço que oferece a técnica mais antiga (como, por exemplo, a radioterapia convencional 2D) recebe o mesmo valor daquele que investiu em tecnologia mais recente. “Paga-se pelo tipo de tumor, sem levar em consideração se o paciente recebeu a forma mais rudimentar ou moderna de radioterapia”, lamenta o radio-oncologista Gustavo Nader Marta, presidente da SBRT.
Consiste, portanto, em um modelo de pacotes por código da doença, que foi implementado no Brasil em fevereiro de 2019. Apesar de ter simplificado o faturamento dos tratamentos, otimizado a auditoria dos serviços e coletado informações estatísticas, ele ainda está distante de cobrir os custos com a radioterapia na perspectiva do SUS. Outro agravante é que a tabela do SUS não foi revisada adequadamente ao longo dos anos. Em 2012, o pagamento por tratamento era de US$ 1.567, caindo para US$ 831 em 2022, uma queda de 43% em uma década, apesar de uma inflação acumulada de 80% e uma desvalorização do câmbio de 150%. Um estudo da SBRT em parceria com a Fundação Dom Cabral mostra que, para atingir a recomendação internacional de 600 pacientes tratados por acelerador linear por ano, o ticket médio deveria ser de R$ 12,5 mil, o que contrasta com o famigerado ticket médio atual praticado de R$ 5,5 mil.
Os benefícios das melhores técnicas
O modelo mais tradicional de radioterapia é o 2D. Nele, o médico visualiza somente a estrutura óssea do paciente e determina quais locais devem ser tratados e quais devem ser protegidos, sendo a dose calculada em apenas um ponto da radiografia. Por sua vez, por conta das atuais técnicas disponíveis, o cenário ideal, minimamente aceito, é de aplicação da radioterapia 3D conformada, que emprega tecnologia computacional para identificar precisamente a largura, altura e profundidade do alvo, atingindo-o com feixes de radiação. A evolução dessa técnica 3D é justamente o IMRT, que usa tecnologia para moldar os feixes de radiação exatamente ao formato do tumor. “Ele aumenta a precisão do tratamento, reduz os efeitos colaterais e torna a terapia mais tolerável para os pacientes”, explica Cláudia Fernandez, membro da SBRT e titular do Serviço de Radioterapia do Instituto Nacional de Câncer (INCA).
Ainda segundo Cláudia Fernandez, o fato de o paciente do SUS ter acesso limitado à radioterapia com técnicas mais avançadas faz com que seja necessário buscar outras formas de terapia, comumente menos eficazes para o seu quadro clínico, aumentando assim os gastos com manejo de toxicidades e é mais custosa também para a sustentabilidade econômica do país. “A decisão clínica por um ou outro tipo de tratamento depende das características clínicas do paciente, do perfil biológico do tumor e do estado da doença. Não haver a disponibilidade da técnica mais moderna interfere, diretamente, no prognóstico”, reforça.
Os diferentes tipos de câncer de pulmão e as abordagens com radioterapia
O tipo mais comum de câncer de pulmão é o de não pequenas células, que responde por mais de 80% dos tumores malignos do pulmão, se dividindo nos subtipos adenocarcinoma e carcinoma espinocelular. Dependendo do estadiamento (estágio de diagnóstico da doença) a radioterapia pode ser administrada com diferentes finalidades.
A Radioterapia pode ser o tratamento principal nos casos em que o tumor não pode ser removido cirurgicamente devido ao seu tamanho ou localização, ou ainda se o estado geral de saúde do paciente não permite a realização da cirurgia. Outras possibilidades são:
– Radioterapia adjuvante, ou seja, após a cirurgia: com o objetivo de destruir as células remanescentes após o procedimento cirúrgico.
– Radioterapia neoadjuvante, ou seja, antes da cirurgia: para tentar reduzir o tamanho do tumor e tornar mais fácil a remoção cirúrgica.
– Radioterapia para tratamento de metástases: para frear a disseminação da doença, por exemplo, para o cérebro ou osso, que são os principais focos de metástase dos tumores originados no pulmão.
– Radioterapia como tratamento paliativo: nos casos no qual não há mais a proposta curativa. É feito para aliviar sintomas provocados pelo câncer de pulmão em estágio avançado, como dor, sangramento, dificuldade na deglutição, tosse e problemas causados por metástases cerebrais.
– Radioterapia Estereotáxica Corpórea (SBRT): É utilizada para tratar cânceres de pulmão em estágios iniciais, quando a cirurgia não é uma opção devido a outros problemas de saúde do paciente. Ao contrário de outras técnicas de radioterapia, na estereotáxica é administrada uma alta dose de radiação, desde vários ângulos, diretamente no volume alvo.
– Radioterapia conformacional tridimensional: A radioterapia conformacional 3D está baseada no planejamento tridimensional, permitindo concentrar a radiação na área a ser tratada e reduzir a dose nos tecidos normais adjacentes. Dessa forma, o tratamento é mais eficaz, com poucos efeitos colaterais, diminuindo as complicações clínicas e melhorando a qualidade de vida dos pacientes.
– Radioterapia de intensidade modulada (IMRT): É uma evolução da radioterapia conformacional 3D, na qual o equipamento se move em torno do paciente, enquanto libera a radiação. Essa técnica é usada, na maioria das vezes, para tumores localizados próximos a estruturas importantes, como a medula espinhal.
Câncer de pulmão em números – No Brasil, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA) o câncer de pulmão é o terceiro mais frequente entre homens e o quarto mais comum entre as mulheres, com estimativas de que, em cada ano do triênio 2023 e 2025, serão identificados 32 mil casos da doença no Brasil. De acordo com o Atlas de Mortalidade por Câncer – SIM, em 2020 foram registradas 28.620 mortes por câncer de pulmão no Brasil. No mundo, são 1,8 milhão de mortes anuais (o mais letal de todos, respondendo por 18,4% de todas as mortes por câncer), segundo o levantamento Globocan, da Agência Internacional para Pesquisa do Câncer da Organização Mundial da Saúde (IARC/OMS).