Covid-19: O choque de realidade das vacinas

*Por Sérgio Zanetta

Enfim chegou a notícia que os dirigentes políticos temiam: as vacinas nem sempre atendem o calendário das eleições e a Ciência Médica, que não é exata, segue soberana e consciente do rigor de seus protocolos.

Apesar de vivermos uma pandemia e o mundo clamar pela imunização contra o Coronavírus sempre se soube que as vacinas não obedecem um calendário imutável. Em todas as suas fases pode haver surpresas, o que ocorre com muita frequência. E foi assim com a aclamada promissora vacina de Oxford, que anunciou a interrupção dos testes em função do efeito colateral que surgiu em um dos voluntários, e também poderá ser com as demais vacinas que estão em desenvolvimento.

A fase 3 das vacinas, quando ela é inicialmente testada em um pequeno grupo e depois sobre uma amostragem maior, sempre revela surpresas. Isso faz parte da rotina dos estudos e nunca é evidenciado, mas neste momento em que estamos sob os holofotes da Covid-19 parece termos sofrido uma derrota. Não necessariamente.

A notícia pode até ser encarada com entusiasmo, pois nos permite ter certeza de que os critérios científicos não estão sendo atropelados pela imposição do Coronavírus e pela exigência do trunfo político.

É nesta fase que os estudos apontam a eficácia ou não das vacinas e sua dosagem ideal. E também é nesta etapa que é avaliado o período ativo da vacina no corpo humano, ou seja, se ela tem a duração de um ano ou mais e seus possíveis efeitos colaterais.

O que aconteceu com a vacina de Oxford está absolutamente dentro da normalidade científica. Não adianta provocar na população, por outros interesses que não os clínicos, a falsa ideia de que estaremos imunizados até o final deste ano. Mesmo as vacinas de Covid-19 que estão entrando na fase 3 só devem ser liberadas após um ano de teste clínico, por necessitarem desse prazo para identificar o período ativo no corpo humano. Para seguir o rigor científico é preciso respeitar esse tempo.

Após esses testes, os dados coletados são enviados aos órgãos competentes, como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Comitê Científico Internacional (do qual a OMS faz parte) para que a vacina seja referendada. Sem esse referendo, nada feito. Após é realizado um pedido formal para que a vacina seja aprovada para fabricação. No caso do Brasil ela deverá ser liberada pela Anvisa.

Nesse pedido de liberação, consta um relatório com informações sobre a doença, a forma como ela atuará no corpo, quais são as restrições, formas de aplicação da vacina e cuidados a serem tomados. A decisão final passará às mãos dos órgãos reguladores. Ou seja, órgãos governamentais têm a responsabilidade nas etapas seguintes de disponibilizar e permitir que profissionais prescrevam a vacina. Esta etapa, em virtude da pandemia, deverá ser acelerada pelos governos se os testes forem satisfatórios.

Depois de cumpridas essas etapas, a vacina será fabricada e distribuída nas redes pública e particular, de acordo com a política de Saúde Pública.

Para cumprir todas as etapas a vacina deverá estar disponível para uso em meados de 2021 e aí sim a decisão política poderá ser determinante para que esse calendário realista possa ser atingido.

Toda nova vacina exige uma plataforma diferenciada para sua fabricação, ou seja, é preciso construir uma planta para a produção em escala. Por outro lado, os testes finais podem indicar a ineficácia da vacina e ela não entrar em processo de fabricação. Em meio a pandemia, os governos podem optar por fazer o investimento em um planta mesmo sem a certeza de que ela entrará em operação, mas caso seja aprovada garantirão a produção imediata.

Até que tenhamos a vacina, os governos e a população não podem perder de vista os cuidados com a segurança sanitária, como isolamento social, higienização das mãos e uso de máscara. Parece entendiante pensar em continuar a viver assim por mais um ano, mas foram essas medidas que nos trouxeram até aqui, juntamente com a curva de aprendizado do sistema de Saúde e as políticas emergenciais adotadas pelo poder público. Abandoná-las agora seria imprudente e irresponsável.

Sigamos em frente com o que temos até agora e confiantes de que a Ciência nos trará a solução definitiva, que não deve passar pelo crivo eleitoreiro imediatista e sim pelo respeito à Medicina e suas soluções seguras. Deixemos a politização de lado.

O vírus tem nos mandado muitos recados e o choque de realidade ao qual fomos alçados ontem foi mais um deles. Que ouçam os que têm ouvido para ouvir.


*Sérgio Zanetta é médico sanitarista e Professor de Saúde Pública do Centro Universitário São Camilo.

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