Avanços e gargalos da radioterapia para o câncer de colo do útero
A falta de acesso da maioria da população às tecnologias de saúde no Brasil atinge uma ampla camada de mulheres diagnosticadas com câncer de colo do útero. Até 2025, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA), ao menos 17 mil mulheres, receberão o diagnóstico de câncer de colo uterino maligno no país, sendo a doença considerada um problema de saúde pública pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT), em alusão à campanha Setembro em Flor organizada pelo Grupo EVA (Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos) – cujo intuito é conscientizar sobre os tumores ginecológicos – chama a atenção para a importância do acesso à radioterapia externa e as dificuldades existentes no sistema de saúde no Brasil.
A radioterapia externa, também conhecida como teleterapia, é um tratamento que consiste na emissão de radiação ionizante em um tumor, feita a partir de um aparelho que fica a uma certa distância do paciente. O feixe de radiação é geralmente de raios X de alta energia, gerados por um acelerador linear de partículas. “É um tratamento extremamente sofisticado e que tem por objetivo irradiar a região do câncer e regiões de interesse e proteger os tecidos sadios vizinhos, minimizando as toxicidades ou efeitos colaterais”, explica o médico radio-oncologista da SBRT, Renato José Affonso Júnior, coordenador do Departamento de Radioterapia do Hospital de Base de São José do Rio Preto e membro da diretoria do Grupo EVA. De acordo com o especialista, a radioterapia externa consiste na realização de sessões diárias de entrega de radiação com o intuito de promover a regressão, destruição tumoral ou redução no risco de recidiva da doença (nas pacientes operadas).
Ao final desta fase de tratamento, conforme o médico, pode ser realizada a braquiterapia, (radioterapia em íntimo contato com o tumor) no caso de pacientes com câncer de colo do útero. “A radioterapia externa aumenta a taxa de sobrevida e de cura nas pacientes com tumores localmente avançados no colo do útero, quando associada à quimioterapia, no entanto é conveniente salientar que quanto mais precocemente for detectado o câncer, maiores serão as chances de cura, por isso a necessidade das campanhas de vacinação contra o HPV para jovens do sexo masculino e feminino e de exames anuais de Papanicolau”, enfatiza o especialista.
Conforme o especialista da SBRT, a braquiterapia é uma modalidade de radioterapia que pode ser empregada após a radioterapia externa (câncer de colo uterino, vagina e vulva não operada), ou exclusivamente nos casos de pacientes operadas e que tenham indicação para que se reduza o risco de recidiva local. Renato Affonso explica que a braquiterapia tem a proposta de entregar uma dose elevada de radiação, com segurança, no colo uterino ou no fundo vaginal, minimizando a dose nos tecidos sadios vizinhos, podendo promovendo um maior controle local, aumentando as taxas de sobrevida global e de cura. “Na braquiterapia, são colocados dispositivos intravaginais e o tratamento é realizado em caráter ambulatorial, com a frequência de duas a quatro sessões, duas vezes por semana”, complementa.
Nessa modalidade de tratamento, a dose programada de radiação chega às células cancerosas por meio de uma fonte radioativa que penetra nos aplicadores, de modo que os cateteres são inseridos com a ajuda de analgesia e quando necessário, sob sedação e preferencialmente guiados por ultrassom. Tais dispositivos são retirados após cada sessão. “O tratamento para cada paciente é definido pelo médico, a depender do estágio de evolução da doença, características pessoais de cada mulher (anatomia). Cânceres como o do colo uterino e de endométrio têm altas chances de cura se diagnosticados precocemente”, enfatiza o radio-oncologista.
Affonso reforça que, no caso de radioterapia externa (teleterapia), preferencialmente, usa-se a técnica de radioterapia por Intensidade Modulada de Feixe (IMRT) ou Arcos Volumétricos Modulados (VMAT), pelas quais é reduzida a toxicidade do tratamento, com menos efeitos colaterais no tecido sadio. Ainda de acordo com o radio-oncologista, há também a opção da radioterapia guiada por imagem (IGRT), pela qual é possível avaliar, durante o tratamento, a regressão tumoral, facilitando assim a realização da radioterapia adaptativa (replanejamento) em meio ao curso do tratamento.
O radio-oncologista reforça que, enquanto a radioterapia externa é realizada com o paciente deitado em um equipamento conhecido como acelerador linear – que dispara feixes de radiação sobre determinada região, a braquiterapia emite radiação por uma fonte inserida na região tumoral ou no leito operatório (fundo vaginal). “A braquiterapia tem indicações clínicas para outros tipos de câncer ginecológico além do colo de útero, como o corpo do útero (endométrio), vulva, vagina”, detalha.
De maneira geral, a primeira abordagem do câncer de colo de útero, quando a manifestação da doença for inicial, pode ser cirúrgica (conização, traquelectomia ou histerectomia com ou sem linfadenectomia- casos selecionados). Já para as pacientes com tumores não operáveis ou localmente avançados, costuma-se adotar protocolos que unem a quimioterapia (com uma ou mais substâncias) à radioterapia associada com o intuito de potencializar o efeito da radiação sobre o tecido neoplásico. Além disso, a imunoterapia começa a ser também administrada em tumores ginecológicos, como o câncer cervical em fase mais avançada.
RT 2030
O médico rememorou o levantamento do documento RT2030, realizado pela SBRT, cujas conclusões apontaram que 97% dos procedimentos de braquiterapia no Brasil, no ano de 2019, foram ginecológicos, com o maior impacto sendo sentido na falta de acessibilidade ao tratamento exatamente do câncer do colo do útero, que é o mais incidente entre os tumores ginecológicos. “Além disso, pode ser evidenciada a deficiência no número de equipamentos de radioterapia criando um alerta que merece ser muito bem enfatizado visto que precisamos de, no mínimo, mais 329 equipamentos (aceleradores lineares) para tratarmos da população”, afirma. De acordo com Affonso Júnior, aliada à estagnação do reajuste da tabela (que não ocorre desde 2010) e ao alto custo de manutenção desses avançados equipamentos (dolarizado), se as medidas práticas e objetivas, sugeridas pela SBRT (em seu relatório RT 2030) não forem adotadas o sistema entrará em um colapso ainda maior.
Fatores de risco e sintomas
Entre os principais fatores de risco para o aparecimento de tumores ginecológicos, segundo o radio-oncologista, estão a infecção pelo papilomavírus humano (HPV) em primeiro lugar, múltiplos parceiros sexuais, tabagismo e imunossupressão ( diminuição da resposta imune) devido ao uso de algumas medicações, Os sintomas mais comuns, são o sangramento vaginal intermitente ou após relação sexual, bem como dor à relação sexual. Também se destacam entre os sintomas a secreção vaginal anormal, dores pélvicas que podem piorar após a relação sexual e o desconforto urinário recorrente.
Prevenção
A vacinação contra o HPV, conforme o médico, ainda é a melhor forma de prevenção, considerada a mais eficaz. Convém lembrarmos da utilização de preservativos durante a relação sexual. No SUS, a vacina está disponível para meninas e meninos entre nove e 14 anos, pessoas imunossuprimidas, pessoas com HIV, pessoas com câncer, vítimas de violência sexual dos nove aos 45 anos ou Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) e em tratamento com retroviral. O método de rastreamento, explica, se dá pelo exame Papanicolau, que consiste em uma pesquisa de células anormais no exame de citologia de colo uterino capaz de detectar lesões pré-cancerígenas e suspeitas. O exame deve ser feito entre os 25 e 64 anos e após dois exames anuais negativos, deve ser realizado a cada três anos. “As consultas regulares com o ginecologista para exames clínicos, laboratoriais ou de imagens são fundamentais para complementação do diagnóstico dos casos positivos”, explica Affonso.
Câncer de endométrio
Embora não traga os mesmos números alarmantes do câncer de colo uterino, o câncer de endométrio também chama a atenção. Segundo o especialista, a doença é mais comum em mulheres após a menopausa. Conforme dados do INCA, quase 8 mil novos casos devem ser identificados por ano no Brasil no biênio 2024-2025.
O câncer de endométrio ocorre na camada interna do corpo do útero e tem, entre os fatores de risco, a idade, obesidade, predisposição genética como antecedentes familiares e síndrome de Lynch, síndrome de ovários policísticos, terapia de reposição hormonal, não ter engravidado, menarca precoce ou menopausa tardia.
Diferentemente do câncer de colo do útero, que pode ser diagnosticado em um exame preventivo, ainda não há um método de rastreamento para o câncer de endométrio. “Os métodos de prevenção e redução do risco são comuns para diversos tipos de doença e valem para a prevenção desses tipos de câncer, como ter uma dieta equilibrada, pobre em gorduras, prática de atividade física regular, controle de peso e de demais comorbidades. Sempre devemos avaliar de forma ponderada a terapia de reposição hormonal, pesando riscos e benefícios”, recomenda o médico.