Proteína criada por startup ajuda a tratar doenças causadas por HPV
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que mais de 630 milhões de homens e mulheres estão infectados pelo papilomavírus humano (HPV) em todo o mundo. No Brasil, a estimativa é de que entre 9 e 10 milhões de pessoas estejam infectadas e que surjam 700 mil novos casos anualmente. Além disso, estudos indicam que cerca de 80% da população sexualmente ativa deve ser infectada pelo vírus em algum momento de sua vida.
Ao buscar desenvolver estratégias para o tratamento de doenças provocadas pelo HPV, pesquisadores da startup ImunoTera Soluções Terapêuticas conseguiram criar uma proteína com a capacidade de estimular o sistema imunológico e eliminar tumores causados por HPV.
Desenvolvida por meio de um projeto apoiado pelo programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, a proteína, batizada de Terah-7, aciona o sistema imune para que ele reconheça a célula doente já em processo de malignização e aja para combatê-la.
“Já fizemos muitos experimentos e comprovamos a eficácia no modelo pré-clínico, em camundongos”, diz Bruna Porchia Ribeiro, diretora científica da ImunoTera.
Segundo a pesquisadora, o objetivo da empresa é avançar com o desenvolvimento clínico do produto, ou seja, testar sua aplicação em seres humanos. “Precisamos ver o efeito na vida real. Se a proteína realmente permite tratar mulheres com doenças causadas por HPV”, detalha. “É um tratamento que não inclui cirurgia ou quimioterapia: ele usa a própria resposta imunológica do paciente.”
De acordo com Ribeiro, atualmente a empresa já está iniciando o processo regulatório da proteína para produzi-la de acordo com as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), explica. “É preciso, ainda, fazer um teste-piloto que permita estudar a toxicidade e comprovar que ela é segura para ser aplicada em seres humanos. No momento, o projeto está seguindo essas duas etapas.”
Vacina terapêutica
A intenção é usar a Terah-7 na criação de uma vacina terapêutica. “Quando se fala de vacina, pensa-se muito em prevenção mediada pela resposta de anticorpos”, explica Ribeiro. “Há, porém, a possibilidade de elas terem caráter terapêutico, a depender do alvo escolhido.”
Em vez de a paciente que tem uma lesão no colo uterino causada por HPV se submeter a uma cirurgia, ela pode ser submetida a um tratamento que melhora a resposta imunológica. Isso porque o objetivo não é produzir anticorpos — é ativar a ação de linfócitos T para que eles identifiquem células de câncer, explica Ribeiro.
“Nossa vacina vai induzir essa resposta para que os linfócitos T reconheçam as células doentes e as eliminem”, explica. Quem não recebeu a vacina preventiva e vier a desenvolver a doença, então, pode ser tratado com essa estratégia.
Existe, já disponível, uma vacina que previne infecções por HPV. Ela pode ser encontrada, em esquema vacinal de duas doses, no Sistema Único de Saúde (SUS) para meninas e meninos de 9 a 14 anos, homens e mulheres transplantados, pacientes oncológicos em uso de quimio e radioterapia, pessoas com HIV/Aids e vítimas de violência sexual.
A adesão, entretanto, não alcança os 90% recomendados pela OMS. Um estudo da Fundação do Câncer, com dados de 2013 a 2020, mostra que, entre as meninas de 9 a 14 anos, 76% tomaram a primeira dose e 56% receberam as duas aplicações. Entre os meninos, apenas 52% foram vacinados com a primeira dose em 2022. “Infelizmente, a vacina preventiva não alcançou a cobertura adequada até o momento. Então, detectamos a oportunidade de oferecer uma opção para quem não está vacinado e pode vir a ter lesões causadas por HPV.”
A Terah-7 é uma proteína de fusão: nela, o antígeno E7 do HPV foi geneticamente fusionado a uma proteína ativadora do sistema imune, que funciona como uma plataforma terapêutica. “Essa proteína ativadora tem função adjuvante e melhora a resposta direcionada para o alvo — no caso, o antígeno E7.”
Outras doenças
De acordo com Ribeiro, por se tratar de uma plataforma, é possível aplicá-la no tratamento de outras doenças crônicas e/ou infecciosas. “Já testamos para HIV, zika e até SARS-CoV-2 em camundongos. Ela pode, ainda, ser adaptada para outros tipos de tumores que têm alvo bem estabelecido, como câncer de mama ou de próstata, por exemplo. O leque é amplo.”
Uma primeira prova de conceito clínica foi realizada em parceria com o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) contra lesões precursoras do câncer do colo uterino causadas por HPV. O estudo permitiu comprovar que a estratégia funciona. Nessa pesquisa, a proteína não foi injetada diretamente nas pacientes.
Já em um contexto de câncer, os pesquisadores acreditam que é preciso associar outras formas de tratamento. Seria preciso unir a Terah-7 com quimioterapia, radioterapia ou até cirurgia para ter mais chances de sucesso. “Para lesões, por outro lado, acreditamos que a proteína vá funcionar sozinha, mas isso a gente precisa comprovar em estudos clínicos.”
Desenvolvimento nacional
A proteína foi totalmente desenvolvida pela equipe da ImunoTera. “Nosso intuito é seguir até torná-la um produto atraente para a indústria farmacêutica e instituições produtoras de imunobiológicos no Brasil”, ressalta. “Essas entidades têm condição de produzir em larga escala e oferecer para o Ministério da Saúde e até para outros países.”
A ImunoTera foi criada na USP e, atualmente, faz parte do portfólio da Eretz.bio Biotech, incubadora de empresas de biotecnologia do Hospital Israelita Albert Einstein. “Hoje, estamos com uma rodada de investimento privado aberta. Queremos desenvolver uma terapia para câncer aqui no Brasil.”
O nome da empresa tem dupla interpretação: imuno vem de sistema imunológico, enquanto tera faz alusão à terapia ou à medida tera, que representa 1 trilhão — a quantidade aproximada de células do sistema imunológico humano. Já o nome da proteína, Terah-7, vem de terapia e do antígeno E7 do HPV. (Com informações e foto da Agência FAPESP)