Projeto da USP conta com big data para melhorar precisão de diagnósticos

Criar uma ferramenta capaz de melhorar a precisão dos diagnósticos médicos. Esse é o principal objetivo de um projeto realizado por 25 pesquisadores brasileiros e estrangeiros que pretende, por meio de técnicas de big data e análise de informações, desenvolver um banco de dados que seja capaz de auxiliar nos diagnósticos médicos.

Conhecida como medicina de precisão, essa área de pesquisa tem a finalidade de aumentar as chances de sucesso no tratamento de doenças. Para entender melhor como o projeto funciona, é preciso, primeiramente, entender quais informações esse banco de dados irá receber. Por isso, Agma Traina, coordenadora da pesquisa e professora do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, explica: “Existem os dados básicos do paciente, como informações de identificação, exames solicitados, hipóteses diagnósticas e tratamentos efetuados. Também há os mais complexos, que são os exames de imagem como tomografias computadorizadas, ressonância magnética e ultrassom.”

Segundo a professora, a ideia é criar uma ferramenta que integre todos esses dados a fim de gerar um conjunto de padrões para ajudar a identificar uma determinada doença. Assim, essas informações poderão apoiar a tomada de decisão pelo especialista médico no momento em que precisará, por exemplo, escolher qual tratamento é mais eficaz.

A professora exemplifica, ainda, como será esse processo de “casamento” de dados na prática: “Imagine que um radiologista acaba de receber um exame de raio X para avaliar. Nessa imagem, ele percebe que a anomalia aparente já foi vista anteriormente em outros exames, mas ele não se lembra qual a causa nem o tratamento dessa anomalia. Então, coloca a imagem da radiografia nesse banco de dados e o sistema faz uma busca pelas informações básicas, mostrando quais pacientes apresentaram a mesma doença. A seguir, mostra as imagens dos exames desses outros pacientes a fim de encontrar padrões que possam ser úteis no diagnóstico, que será realizado pelo especialista médico”.

Nesse processo de construção de diagnóstico, o banco de dados não será determinante para a tomada de decisão, mas servirá para o médico comparar as informações do sistema com as que ele tem em mãos. Isso faz com que esse profissional trabalhe com mais confiança, trazendo benefícios também para o paciente, já que o diagnóstico passa a ser mais preciso e rápido.

Principais etapas para criar um banco de dados de pesquisa a partir dos bancos de dados clínicos dos hospitais públicos
Imagem: Divulgação (Clique na imagem para ampliar)

Desafios

O projeto ainda é recente, começou a ser desenvolvido no final do ano passado e, por isso, os pesquisadores ainda não definiram quais são as doenças que o banco de dados vai abranger. Por enquanto, estão sendo utilizados os dados de algumas doenças importantes existentes nos sistemas de informação dos hospitais participantes, mas já existem algumas pesquisas sendo desenvolvidas relacionadas a doenças pulmonares, como câncer, doenças reumatológicas do sistema músculo-esquelético e doenças cardiológicas.

Agma ainda explica que esse projeto pretende revolucionar o conceito de junta médica, que é constituída por especialistas de várias áreas para discutir um determinado problema com base no conhecimento e experiência de cada profissional. A ideia do banco de dados é organizar esses conhecimentos numa base computacional que seja usada como suporte para a tomada das decisões médicas.

A equipe de pesquisadores utiliza informações de 1,6 milhão de pacientes cadastrados em 24 hospitais públicos do Estado de São Paulo. Diante desse grande volume, a professora Agma esclarece que um dos principais desafios do projeto é unificar os dados, já que são provenientes de diversos lugares e têm formatos diferentes.

“É difícil, por exemplo, transformar as cores, a textura e a forma das imagens dos exames em algoritmos. Por isso, nosso maior desafio é unir e identificar, nesse sistema, todos esses fatores que influenciam no diagnóstico”, explica o professor Paulo Azevedo Marques, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, que é um dos pesquisadores principais do projeto. Ele complementa explicando que, para fazer o computador compreender o que aparece nas imagens, é preciso ensiná-lo a identificar cada um desses fatores até que se torne capaz de, automaticamente, reconhecer as características que determinam a presença de uma anomalia, tal como os médicos aprendem a fazer na prática.

Marques diz também que existe a dificuldade em sintetizar as informações: “A grande massa de dados é um obstáculo para que o sistema possa fazer uma seleção de critérios. Ou seja, precisamos de uma técnica que consiga ponderar qual critério é mais importante para um determinado caso e, ao mesmo tempo, capturar para o médico apenas as informações mais relevantes, que poderão ser úteis e aplicáveis naquela situação”. Além de facilitar o diagnóstico médico, também será possível que o tempo de consulta seja reduzido e a ideia é que esse sistema possa apresentar todos os resultados relevantes em questão de segundos.

Para Marques, aproximar a medicina e a computação é fundamental para que existam tecnologias sofisticadas que possam auxiliar na rotina dos profissionais da saúde, sobretudo os que trabalham com medicina de precisão: “Os profissionais da computação conhecem nada ou muito pouco sobre as necessidades do âmbito médico porque eles se formam, geralmente em centros de ciências exatas e ficam muito afastados do ambiente de atenção à saúde. Nesse sentido, a proposta do projeto é aproximar essas diferentes áreas de conhecimento, propiciando um ambiente otimizado para o desenvolvimento de tecnologias adequadas às demandas médicas”.

De acordo com Agma, é possível que já exista um protótipo do sistema daqui a dois anos e ela também explica como deve ser a implementação nos hospitais: “A instalação deve ser feita de forma gradual. Trabalho há 20 anos nessa área e percebo que as pessoas sentem receio de utilizar novas tecnologias. Sinto na pele como ainda é difícil conscientizar as pessoas para essas mudanças”.

Um grande projeto – A iniciativa dos 25 pesquisadores é apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e constitui o projeto temático Mining, Indexing and Visualizing Big Data in Clinical Decision Support Systems – (MIVisBD). Apesar de recente (a pesquisa teve início em setembro de 2017) já existem alguns resultados que foram publicados em diferentes revistas científicas. Um deles está disponível na revista ScienceDirect e outro na SpringerNature. Ambos os estudos são referentes a processamento de imagens em banco de dados a fim de reconhecer padrões de determinadas doenças. Além disso, o projeto já recebeu três premiações do Simpósio Brasileiro de Bancos de Dados (SBBD), o maior evento da América Latina de apresentação e discussão de resultados de pesquisas relacionadas ao campo de bancos de dados.

A pesquisa é realizada pelo ICMC, pelo Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, além da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) e da Universidade Federal do ABC, além de contar com a parceria de oito instituições internacionais.

(Informações de Talissa Fávero –  ICMC/USP)

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