Prevenção Individualizada de Câncer de Mama
Se perguntarmos para médicos se o diagnóstico precoce de câncer em pessoas sem sintomas é algo benéfico, a resposta quase universal será “claro que sim!”. O senso comum, tanto entre médicos quanto pacientes, é que a triagem de cânceres é sempre boa para o paciente. Isso não é verdade.
Uma mamografia é geralmente inócua. Na maioria das pacientes, o resultado é negativo. No entanto, com alguma frequência a mamografia tem resultados suspeitos que requerem biópsias ou procedimentos mais invasivos. Em algumas raras vezes nestes procedimentos, há complicações. E nem todas as mulheres com achados suspeitos têm câncer.
O benefício da mamografia é encontrar cânceres cedo o suficiente para mudar a trajetória usual sem causar mal para todas as outras mulheres que não têm câncer. Se a probabilidade de uma paciente ter câncer naquele momento for quase zero, não haverá benefício em triar, mas os (raros) malefícios continuarão iguais. Parece óbvio, mas é por isso que homens não fazem mamografia, mesmo havendo casos de câncer de mama em homens.
A discussão sobre quando começar a fazer mamografia em mulheres não está pacificada. O Ministério da Saúde recomenda início aos 40 anos (anualmente) e a cada 2 anos entre 50 e 70 anos, o que resulta, em tese, em 20 mamografias por mulher ao longo da vida. Por outro lado, a Força-Tarefa Canadense sobre Cuidados Preventivos de Saúde recomenda testar somente entre 50 e 74 anos, a cada 2 a 3 anos. Isso resulta em metade do número de mamografias por mulher. Essas 10 mamografias de diferença são justamente entre 40 e 50 anos de idade.
Onde Brasil e Canadá concordam é que as recomendações não estão escritas em pedra. Todos concordam que uma mulher com risco elevado de câncer de mama deve começar a mamografia mais cedo. Ginecologistas, mastologistas, oncologistas e geneticistas podem ajudar as suas pacientes a decidirem o melhor momento de iniciar as mamografias.
O que determina risco elevado de câncer de mama? Existem fatores ambientais, como número de gestações, idade de início da menstruação e uso de anticoncepcionais orais. Também existem fatores genéticos que podem ser herdados. Mutações raras como as das atrizes Angelina Jolie (no gene BRCA2) e Christina Applegate (no gene BRCA1) têm papel importante nesta história. Outro gene importante no Brasil é o TP53, que tem uma mutação “comum” presente em 1 em cada 1000 brasileiros. Estas mutações raras em genes únicos correspondem a 15% da herdabilidade de câncer de mama. Os testes genéticos de painéis de câncer de mama são muito úteis para identificar estas mutações.
Nos últimos anos, ficou claro que outros 30-40% da herdabilidade de câncer de mama são determinados por mutações muito comuns na população geral. Cada mutação individualmente contribui pouco para o risco, como 1% a mais, 0,5% a menos e assim vai. Elas não importam individualmente, só coletivamente. Milhares destas mutações somadas podem elevar em 2 a 3 vezes o risco de câncer de mama. Daí o nome, risco poligênico (também conhecido como PRS). Muitos genes, muitas mutações.
Recentemente validamos um destes cálculos de risco na população brasileira. Foram quase 15.000 mulheres brasileiras e foi constatado que as 10% com o maior risco genético poligênico tem 2 vezes mais chance do que o resto da população. Nas 1% com risco mais alto, isso chegou a 3,5 vezes. Certamente estas mulheres devem ser monitoradas mais de perto.
O risco monogênico (ex. BRCA1), combinado com o risco poligênico e com os fatores ambientais e história familiar, agora servem como instrumentos muito mais precisos para personalizar o monitoramento de mulheres para risco de câncer de mama. Muitos estudos serão realizados para entender a melhor maneira de utilizar estas novas ferramentas. Embora já disponíveis na saúde privada, devem ser incorporados no SUS nos próximos anos. No meio tempo, muitos médicos especialistas já utilizam destas novas tecnologias para ajudar as mulheres a decidir o melhor momento e a melhor forma de diagnosticar precocemente o câncer de mama.
*David Schlesinger é neurologista, doutor em Genética pela USP e CEO da Mendelics.