Como transformar dados clínicos em valor real para os pacientes
Por Anthony Eigier
Os hospitais produzem um volume impressionante de informações clínicas todos os dias. Contudo, grande parte desses dados — especialmente os não estruturados, como laudos, anotações médicas e evoluções — acaba não sendo aproveitada em sua totalidade. Essa realidade não é uma falha tecnológica ou humana, mas sim uma oportunidade de transformar esses registros em inteligência estratégica, capaz de orientar decisões mais assertivas e impulsionar tanto os resultados clínicos quanto os financeiros.
Hospitais que centralizam seus dados e adotam plataformas de IA conseguem reduzir custos administrativos em até 40%, além de aumentar a precisão de seus indicadores de qualidade e compliance. Com dados bem estruturados, é possível agir antes que o paciente se agrave — e até evitar a chamada “fuga de pacientes”, identificando padrões de consumo e fragmentação do cuidado para trazer os usuários de volta à instituição, o que pode elevar a receita em até 17% .
No entanto, na minha visão, o maior desafio não é só identificar esses dados, é dar valor real para eles e maior poder de decisão aos gestores de saúde. Tecnologias que capturam e processam dados não estruturados com NLP (natural language processing) são fundamentais. Estima-se que 70% a 80% do conteúdo dos EHRs esteja em notas livres, que são invisíveis para sistemas tradicionais, de acordo com informações do Institute for Health Metrics (IHM). Nesse sentido, ferramentas de IA habilitam o resumo automático de prontuários e extração de sinais clínicos relevantes, reduzindo erros e tempo médico dedicado à revisão manual, segundo estudo publicado na plataforma Arxvi, da Cornell University.
Recentemente, falei do desenho de uma solução para lidar com esse desafio. Pensem que quase todo dado no setor de saúde é textual – evoluções clínicas, anotações médicas, exames — e infelizmente, a maioria não é utilizada corretamente, ou aproveitada em sua totalidade. Logo, é preciso criar pontinhos de dados e transformar tudo num único filme do paciente. Essa capacidade de transformar fragmentos desestruturados em uma visão integrada é o que reduz riscos clínicos e permite ações mais rápidas e direcionadas por parte das equipes assistenciais.
Como CEO de uma helthtech, atuo diariamente ao lado de hospitais e outros gestores de saúde que enfrentam essa realidade. Assim, atuamos no sentido de identificar pacientes com risco clínico elevado, mas que também entrega os meios para que a instituição entre em ação — e garanta que intervenções, triagens e linhas de cuidado sejam, de fato, implementados. Agimos assim, pois o simples envio de uma lista de indivíduos em risco não basta. É preciso que a instituição tenha ferramentas para captar e acompanhar aquele paciente de forma segura e sustentável.
Na prática, a tecnologia precisa mais do que detectar risco e oferecer recursos para atrair o paciente identificado. É essencial inseri-lo em jornadas de cuidado oncológico ou cronológico e monitorar se o que precisa ser feito está realmente acontecendo. Essa ponte entre risco identificado e ação efetiva é o que pode acelerar diagnósticos, reduzir reinternações e fortalecer o relacionamento com o paciente.
Assim, vejo que a eficiência não é só cortar custos, mas fazer mais com os recursos que já existem, especialmente os humanos. Um exemplo concreto disso, é o caso de um hospital mineiro, em que se conseguiu reduzir uma fila de 45 dias de análises de laudos para câncer de pulmão para praticamente zero, usando IA. Em apenas seis meses, uma única enfermeira altamente capacitada conseguiu inserir 36 pacientes em linhas de cuidado oncológico — pessoas que provavelmente não seriam diagnosticadas a tempo sem esse tipo de apoio tecnológico.
Além disso, quando executada corretamente, a integração e inteligência aplicada aos dados também garantem governança e transparência num sistema hospitalar cada vez mais regulamentado e exigente. Estudos indicam que 33% de melhoria no compliance da CMS (autoridade americana de saúde) pode ser alcançada em três meses com dados centralizados e de alta integridade, em artigo publicado no exterior.
Hospitais que implementam essa cultura data-driven ganham eficiência operacional e melhores desfechos para pacientes, além da sustentabilidade ao longo prazo. Para líderes de hospitais e operadoras, é hora de considerar estratégias integradas que tornem dados clínicos — mesmo os não estruturados — em uma fonte de rendimento assistencial e valor para o paciente.
Minha experiência mostra que transformar dados em diagnóstico, ações e resultados concretos não se trata de uma opção. Estamos falando de uma necessidade urgente para quem quer antecipar crises clínicas com semanas de antecedência — ao mesmo tempo que eleva a eficiência hospitalar, melhora as margens financeiras, sem comprometer a segurança do paciente ou deixar de lado a necessária humanização do cuidado.
Contudo, é importante lembrar que a IA na saúde não é um fim, mas sim um meio. Ela deve ser usada para identificar o paciente certo, no momento certo, e garantir que ele receba o cuidado mais adequado. Nesse contexto, a tecnologia deve atuar como aliada dos profissionais de saúde: uma ferramenta de apoio, nunca uma substituta.
*Anthony Eigier é CEO e fundador da Neuralmed.