Planos de saúde realizam 73% mais cirurgias de catarata que o SUS
Principal causa de cegueira evitável, a catarata tem na cirurgia o único tratamento realmente eficaz. Embora o procedimento esteja entre os mais realizados no Brasil e no mundo, um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) revelou um dado preocupante: persistem grandes desigualdades no acesso à cirurgia no país. Segundo o novo Radar da Demografia Médica no Brasil, os planos de saúde realizam 73% mais cirurgias do que o Sistema Único de Saúde (SUS), quando considerada a taxa proporcional à população atendida.
O levantamento, coordenado pelo Prof. Mário Scheffer, do Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP, analisou a distribuição de oftalmologistas e a realização de cirurgias de catarata nos sistemas público e privado.
Nesta edição, o informe técnico contou com a participação dos professores Rubens Belfort Junior, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); Jessica Pronestino de Lima Moreira, da Universidade Federal Fluminense (UFF); e Ligia Bahia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), além de outros pesquisadores.
Maior concentração no setor privado
Em 2024, foram realizadas cerca de 1,8 milhão de cirurgias de catarata no Brasil. O SUS respondeu por 64% desse total. Porém, ao considerar o tamanho da população assistida, a taxa foi de 736,3 por 100 mil habitantes usuários exclusivos da rede pública. Já entre beneficiários de planos de saúde, que representam aproximadamente um quarto da população, a taxa alcançou 1.276,8 por 100 mil habitantes.
Ou seja, em 2024, os planos de saúde realizaram, em média, 73,4% mais cirurgias de catarata do que o SUS em todo o país.
A disparidade se torna ainda mais evidente na análise regional. No Norte, os planos de saúde realizaram 157% mais procedimentos do que o SUS; no Sul, a diferença chegou a 138%. No Sudeste, onde o cenário é menos desigual, os convênios médicos ainda assim realizaram 39% mais cirurgias que a rede pública.
Oferta desigual de oftalmologistas
O estudo também revelou a distribuição desigual de médicos especialistas no país. Em 2024, o Brasil contava com 16.784 oftalmologistas, o que corresponde a uma média nacional de 8,96 por 100 mil habitantes. Essa proporção, no entanto, varia significativamente entre os estados.
O Distrito Federal apresenta a maior taxa, com 19,18 oftalmologistas por 100 mil habitantes, seguido por São Paulo (11,25) e Espírito Santo (10,97). Na outra ponta, os menores índices estão no Amazonas (3,60), Pará (3,77) e Maranhão (4,22). Além disso, 65% de todos os especialistas estão concentrados em apenas 48 cidades com mais de 500 mil habitantes.
Média de cirurgias por oftalmologista varia entre os estados
O estudo também calculou o número médio anual de cirurgias de catarata realizadas por cada oftalmologista. Os resultados revelam contrastes expressivos: no Piauí, cada especialista realizou cerca de 180,38 procedimentos por ano; em Alagoas, 147,20. No extremo oposto, o Distrito Federal registrou apenas 21,54 cirurgias por profissional e, no Tocantins, a média foi de 37,06.
Essa variação evidencia um possível subaproveitamento da força de trabalho especializada em algumas regiões do país.
Urgência de políticas públicas
A desigualdade na oferta de cirurgia de catarata afeta diretamente a qualidade de vida da população. O atraso no tratamento prolonga a incapacidade visual, dificulta a realização de atividades cotidianas e pode levar à perda progressiva da visão.
Dados do Ministério da Saúde indicam que a cirurgia de catarata com implante de lente intraocular foi o procedimento com a maior fila de espera do sistema público de saúde em 2024. O número de solicitações superou 168 mil em todo país.
“É inadmissível que ainda exista fila para essa cirurgia no SUS. Ela pode e deve ser zerada, pois não faltam oftalmologistas no país. A coordenação de iniciativas e recursos entre esferas governamentais, o aproveitamento de parte da capacidade privada na rede pública, a padronização de práticas e preços, e a convocação de oftalmologistas mediante garantias de remuneração e condições de trabalho adequadas são medidas que poderão ampliar enormemente o acesso ao tratamento da catarata”, concluiu o Prof. Mário Scheffer, pesquisador da FMUSP.