Pela 1º vez mortalidade por aids tem queda expressiva nos últimos 20 anos
*Por Adele Benzaken
No último dia 27, divulgamos o novo Boletim Epidemiológico de Aids numa cerimônia que também marcava os 30 anos do Dia de Luta contra a Aids, o primeiro de Dezembro, criado em 1988 pela Assembleia Geral da ONU, por iniciativa da OMS.
Foi com muita alegria que eu e todo o corpo técnico do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais (DIAHV) do Ministério da Saúde, pudemos anunciar a queda de 16.5% nas taxas de mortalidade nos últimos quatro anos. Este foi o melhor resultado que tivemos desde a década de 90, quando registramos uma queda de até 38% nas taxas de mortalidade, em decorrência da adoção da terapia tríplice – o chamado coquetel – em 1996.
E não foi só isso. Também observamos uma queda de detecção de novos casos de aids. Hoje, a nossa taxa de incidência é de 18.3/100 mil habitantes. Em 2013, essa taxa era 21,5/100 mil habitantes. O que significa que foi acertada a decisão de implantar o tratamento para todos em 2014. Antes, a terapia antirretroviral só era recomendada pela quantidade de células CD4 – responsáveis pela defesa do organismo.
Importantíssimo, também, ressaltar a diminuição significativa da transmissão vertical do HIV que reduziu em 43% nos últimos 10 anos. Isso se deve em parte ao aumento da testagem na Rede Cegonha, que contribuiu para a identificação de novos casos em gestantes.
Aliás o aumento do diagnóstico tem sido uma estratégia crucial para cada vez mais identificarmos as pessoas vivendo e, com isso, iniciarmos o mais precocemente o tratamento. Assim evitamos que as pessoas adoeçam e, ao mesmo tempo, interrompemos a cadeia de transmissão do vírus por via sexual.
Lembro que em 1992 o Banco Mundial afirmou que haveria mais de um milhão de casos de aids no Brasil na virada do século. Perspectiva que nunca se cumpriu. Chegamos no ano de 2017 com uma estimativa de 866 mil pessoas vivendo com vírus no Brasil.
O que nos leva afirmar que a resposta brasileira ao HIV sempre tomou as decisões mais acertadas. Em 1996, quando o Dr. David Ho anunciava ao mundo a revolucionaria terapia tríplice, naquele mesmo ano, já iniciávamos a incorporação e a distribuição daqueles medicamentos no SUS.
A decisão na época foi considerada polêmica e levantou críticas até da comunidade científica que achou que o país não teria condição de manter aquela política e isso acabaria por comprometer o tratamento das pessoas. O tempo e os resultados mostraram que estavam errados.
Hoje, temos quase 600 mil pessoas recebendo tratamento no SUS. Desse total, 92% estão com a carga viral indetectável, percentual acima da meta estipulada pela ONU de ter 90% até 2020.
Ainda sobre a meta 90-90-90 da ONU, atualmente, do total de pessoas estimadas que vivem com o vírus, 84% conhecem seu estado sorológico. A meta é chegar a 90% até 2020. Em relação ao total de pessoas diagnosticadas, 75% estão em tratamento.
Apesar dos desafios, a resposta brasileira vem acumulando conquistas ao longo desses anos. Muitas das quais se devem ao desenvolvimento de estratégias para promover o cuidado compartilhado às pessoas com IST e o cuidado continuo às PVHIV na Rede de Atenção à Saúde e as estratégias para a qualificação dos dados e informações sobre diagnóstico e tratamento do HIV/aids nos sistemas de informação do Ministério da Saúde, que também são prioridades e já denotam as ações do DIAHV para 2019.
É por esse motivo que este Dia Mundial de Luta contra a Aids tem um sentido especial. Como todos sabem, a data surgiu como uma resposta a falta de informação, ao preconceito e estigma que as pessoas vivendo com HIV/aids sofriam. De fato, era uma época que pouco se sabia. Pouco se podia fazer diante de um resultado reagente.
No início da minha carreira como médica, muito pouco podia-se fazer no campo da medicina. Então, a perda daquela pessoa era uma questão de meses. Emociona-me lembrar o abandono e a solidão que muitas das pessoas vivendo sofreram. A criação do Dia Mundial de Luta contra Aids foi uma forma de mobilizar a opinião pública e provocar os governos para buscarem respostas para a epidemia, aumentar a informação e diminuir o preconceito.
Por isso, impossível falar do dia Primeiro de Dezembro sem falar do movimento social formado por pessoas vivendo, familiares e amigos que se engajaram na causa desde os primeiros momentos. Se por um lado faltavam políticas públicas consistentes, tratamento e medicamentos, havia solidariedade e muita força emanada dos movimentos sociais que começavam a se articular e a formar organizações nos primeiros anos da epidemia. O Brasil não ficou fora. É nesse período que surgem no cenário de luta contra aids, figuras como Paulo Bonfim, que em 1985, funda o Grupo de Apoio à Prevenção à Aids, o Gapa, considerada a primeira ONG aids do Brasil. Na sequência, veio o Grupo Pela Vidda, fundado pelo sociólogo Herbert Daniel, Associação Interdisciplinar de Aids (ABIA) fundada por Herbert de Souza, o Betinho. Destaco ainda, o GIV, primeira organização nacional formada por pessoas vivendo com HIV em 1990. E a Casa de Apoio Brenda Lee, primeira a abrigar exclusivamente pessoas trans vítimas da aids.
No plano governamental, São Paulo é o primeiro estado a criar um programa para a aids em 1983, por iniciativa do Dr. Paulo Teixeira com sua equipe de trabalho. No Ministério da Saúde, o tema já era tratado dentro da Divisão de Dermatologia até ser criado oficialmente o Programa de DST/Aids em 1985 e ser comandado até 1996 pela Dra. Lair Guerra e sucedida pelo Pedro Chequer, o próprio Paulo Teixeira, e outras pessoas tão brilhantes e comprometidas que me antecederam no posto que agora ocupo.
O ano de 1987 traz o AZT: o primeiro medicamento com esperança real de tratamento para quem possuía a doença. Naquele mesmo ano, é criada a Comissão Nacional de Aids (Cnaids), um espaço que amplia a contribuição da sociedade na resposta à epidemia.
A participação social, uma das bandeiras do movimento sanitarista brasileiro, foi consolidada com a criação do Sistema Único de Saúde e a Constituição Federal de 1988. Com o SUS começa a distribuição de medicamentos para doenças oportunistas.
É também em 1987, enquanto acontecia Conferência Internacional de Aids, em Washington, que cerca de 200 mil pessoas se uniram para protestar porque as pessoas vivendo ficavam de fora da conferência. Ali, por iniciativa da organização americana Act-Up, formou-se um imenso mosaico de quilts (colcha em português) em frente ao Capitólio. Foram cerca de 1.900 “pedaços de tecido”que traziam nomes e lembrança das pessoas queridas que haviam sido vitimadas pela aids.
No ano seguinte, em 1988, os ativistas voltaram à Washington e dessa vez, mais de 8 mil colchas cobrem a esplanada em frente ao Capitólio e se transformaram em uma bandeira na guerra contra a aids. Naquele mesmo ano é instituído pela ONU o Primeiro de Dezembro como o Dia Mundial, por iniciativa da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Por esse motivo, após 30 anos de luta contra aids, agora é possível afirmar que celebramos a vida. O slogan da campanha do Brasil para marcar o Primeiro de Dezembro “Uma bandeira de histórias e conquistas”, lembra o quilt. Assim revivemos esta grande colcha no Brasil. Para homenagear vítimas da aids, mas principalmente celebrar a vida.
Foram mais de sete mil pedacinhos escritos por milhares de pessoas no Brasil todo por meio da plataforma digital criada. As milhares de colchas foram impressas e estendidas no dia 27 de novembro no gramado da Esplanada dos Ministérios e com um recado claro: que hoje é possível viver e conviver com o HIV, se houver prevenção e adesão ao tratamento. Esse imenso mosaico estará exposto durante todo o dia 30 de novembro e Primeiro de Dezembro, cobrindo onze mil metros quadrados dos gramados da Esplanada dos Ministérios em Brasília.
Ainda existe uma árdua estrada pela frente no Brasil, que passa pela ampliação do acesso à saúde integral. Mas nesse trajeto, o país escolheu as opções corretas, que passa pela Prevenção Combinada, disponíveis gratuitamente no SUS.
Quanto ao futuro, estamos confiantes. A resposta brasileira ao HIV está ancorada e sustentada tanto pela nossa Constituição Federal, como na lei que criou o SUS, que têm como base a integralidade, a universalidade e a equidade. Por fim, a promulgação da Lei 9.313/96 de iniciativa do então senador José Sarney, no final de 1996, é mais uma das garantias para o acesso integral e universal para o tratamento de quem vive com o vírus.
Todo esse resultado decorre do trabalho coletivo que envolve tanto pessoas, quanto governos, movimento social e as agências da ONU instaladas no Brasil, em especial, o Unaids. Todos trabalhando juntos não só pela saúde, mas sobretudo pelos direitos humanos.